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O incómodo dos direitos e a revolução cultural

«Não é fácil falar hoje de direitos do homem e de religião. Menos ainda, da relação entre a família, os direitos do homem e o cristianismo. Parece existir incomodidade da parte de muitos cristãos, em geral, e dos católicos, em particular, em trazer para a opinião pública a discussão de questões relevantes da política e do direito contemporâneo à luz da religião.

Surpreende esta incomodidade com que as elites actuais encaram a religião. Numa livraria dos nossos dias, os livros de religião estarão arrumados aos lados dos de espiritualidade, certamente depois dos livros de auto-ajuda, junto com as “novas espiritualidades” new age. E se uma obra lança uma reflexão critica acerca dos caminhos da política contemporânea à luz da fé, será olhada com desconfiança. (…)

As mudanças por que passam as sociedades têm merecido a qualificação de revolução cultural - algo paralelo à quarta revolução industrial que se vive e que é potenciada por esta revolução.

Como nas anteriores revoluções industriais, a crença no progresso e na técnica faz duvidar da fé e coincide com a glorificação da ciência positiva. O progresso é hoje medido pela aparente desvinculação entre o homem e os seus limites, antropológicos, sociais e morais.

O anúncio da morte de Deus não é dos nossos dias: também a primeira revolução industrial e o nascimento da ciência contemporânea trouxeram esse anúncio, que a voz de Nietzsche profetizava ter sido morto pelo próprio homem. (…)

As raízes cristãs da declaração universal dos direitos do Homem e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem são conhecidas e estudadas.

Na sua essência estavam presentes três ideias fundamentais da tradição do direito natural cristão - católico e protestante: a ideia de que certas regras são universais, imutáveis no tempo e no espaço; a superioridade delas sobre o direito da cada Estado; e a natureza do género humano, comum e geral, perante a artificialidade das fronteiras dos Estados.

Não ficou evidente nestes textos uma outra ideia de matriz das doutrinas do direito natural, a relação entre deveres e direitos.

Desde 1989, depois da queda do comunismo, dá-se início ao processo que Grégor Puppink designa como revolução individualista ocidental. Este processo assenta numa evolução permanente do direito internacional dos direitos do homem, que substitui a pessoa pelo indivíduo e fez do indivíduo sujeito e objecto, princípio e fim em si mesmo. De acordo com esta visão, cada pessoa é juiz de si próprio (da orientação sexual ao suicídio assistido) e a verdade, tal como a justiça, tornou-se um conceito relativo.» *

Considerando assim que o homem é que decide da sua dignidade e da dos outros homens, é fácil perceber como foi possível a derrapagem da sociedade humana para o cenário em que estamos envolvidos, com uma agenda ideológica onde é imperioso legislar para matar, para degradar toda a espécie humana, a qual depois de lhe terem retirado a paternalidade divina ficou à mercê de predadores políticos e económicos.

Em tempos estranhos que nos deixam muitas perplexidades, é bom termos presente que há toda uma teia ateia, muito bem tecida, encenada e ensaiada, para reinar matando, num mundo sem Deus, sem referências, onde a argumentação tende a perverter a lógica da vida, da ciência, da medicina e da própria natureza.

Adilson Constâncio

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