A agenda política de Rodrigues
Com a mesma chantagem, na legislatura anterior qualquer deputado do PSD podia ter exigido ser presidente da Assembleia.
José Manuel Rodrigues é um político experiente e habilidoso quanto basta. Uma longa carreira política num pequeno partido proporcionou-lhe sucessivos maus resultados eleitorais. A hegemonia social-democrata não permitiu ao CDS qualquer hipótese de sucesso, mesmo sendo a alternativa não socialista ao PSD. O epíteto de “Madeira Velha”, numa nova realidade autonómica, nunca descolou do partido da direita madeirense. Um PSD forte deixou os chamados centristas reduzidos a muito pouco. Quase nada. José Manuel Rodrigues deixa a liderança do CDS. Nas últimas eleições regionais a perspectiva é catastrófica. Elege apenas três deputados.
Na própria noite das eleições, perante a falta da tradicional vitória do PSD com maioria absoluta, Albuquerque apela ao CDS para um governo de coligação, imediatamente aceite por Rui Barreto, qual milagre inesperado. É como se a corda ao pescoço se tivesse partido no último momento.
O que se passou de seguida, nessa noite e dia seguinte, é especulativo e poucos conhecerão toda a verdade. Mas é perceptível que apenas uma exigência inflexível de Rodrigues o levou ao título máximo da democracia regional. Parece que esteve em leilão entre os dois lados acabando por vingar a preferência por uma coligação natural sem socialistas.
O que é facto irrefutável é termos ficado reféns de insólita chantagem que, por antecipação, astúcia e pragmatismo de Albuquerque, não caiu no lado liderado por Paulo Cafôfo. O CDS saiu da câmara ardente e é vê-lo com ar de grande e generalizada satisfação neste ressuscitar inesperado. O sorriso em Barreto ainda não se apagou.
Enquanto isso, José Manuel Rodrigues assume o lugar, por si exigido, de presidente da Assembleia Legislativa da Madeira. Uma ambição pessoal, em oportunidade única e irrepetível, que se concretiza com desprezo pelo que possa ser a vontade do seu partido e do seu líder. Uma cerimónia de posse apoteótica, com o CDS a pretender mostrar que era o resultado de uma sua retumbante vitória eleitoral, quando não passava da consequência de uma chantagem pessoal sem a qual este ciclo político não se realizaria do mesmo modo.
Tem muitos equívocos a presente realidade parlamentar. O menor deles é assistir à “felicidade” extrema com que o CDS vive esta “glória” actual. Assistir ao elogio do governo pelo deputado Lopes da Fonseca e ao seu aplauso ao discurso oficial rivaliza com os gestos de aprovação da bancada parlamentar social-democrata aos actos e palestras de Rodrigues. Até Jardim já se rendeu ao protagonismo, discurso e desempenho do antes Sr. Rodrigues. Estão numa de elogia-me que eu elogio-te. Dispenso-me de repetir os epítetos anteriores agora substituídos por mútuos encómios. É opróbrio público e descarado, sendo que muitos militantes do PSD foram obrigados a repetir as conhecidas ofensas. O discurso de Rodrigues é caricato e mostra carácter e propósitos. É o nível da política madeirense, um espectáculo indecoroso que faz de todos nós, e dos lá sentados, perfeitos e absolutos patetas.
Consola saber ser a bem da Madeira! Gargalhei!
Jardim nunca fez igual elogio aos que o ajudaram sem descanso nos quarenta anos de governação e liderança partidária. Fez a Rodrigues, repetiu com Luís Calisto e, já agora, porque não fazer o mesmo a António Loja e cessar os sucessivos adiamentos em tribunal? Não deve custar muito. Afinal, ao contrário de Rodrigues e Calisto, Loja foi seu colega e co-fundador do PSD.
Será que isto é o novo paradigma a que todos nos temos de habituar? Será que tudo o que foi dito antes não teve sentido, sinceridade e responsabilidade? Pelo menos, até aqui, Albuquerque ainda não conspurcou a sua postura . Mantém ilesa a sua auto-disciplina aos limites aceitáveis. Uma coligação não é um casamento de partidos. Nem uma união de facto. É um contrato a termo certo.
Com o qual o PSD deve estar satisfeito. Afinal de contas lidera o governo, o seu programa não foi condicionado pelo parceiro de coligação, os seus membros parecem se entenderem perfeitamente em equipa e tudo isto está para durar. Não é pouco devo salientar.
Mas o maior dos equívocos é o desempenho do presidente José Manuel Rodrigues.
Não é pressuposto o presidente da Assembleia Legislativa ter agenda política própria. Nenhuma das suas atribuições regimentais contempla agenda política própria, em particular no uso de mordomias da presidência da Assembleia. O seu cargo não tem legitimidade democrática, apenas o seu estatuto de deputado o tem. Ao presidente não cabe intervenção a não ser em representação do parlamento, como figura primeira da Autonomia Regional. Andar a passear a sua pessoa, na qualidade de presidente, por palcos da vida madeirense e porto-santense é abuso inexplicável. A prestação política do parlamento realiza-se pelos grupos parlamentares e pelos deputados. Nunca antes qualquer presidente da Assembleia teve essa postura de se sobrepor aos respectivos grupos parlamentares. Na maioria das acções políticas do grupo parlamentar do PSD participavam os presidentes do parlamento, enquanto deputados e colegas. Não ia o grupo parlamentar para um lado e o seu deputado, designado presidente, para outro. Alguém viu qualquer presidente anterior protagonista de espaço político fora do seu partido?
Agora, ao invés, a agenda política do presidente José Manuel Rodrigues é pública e notória, enquanto a dos deputados do CDS é desconhecida, mesmo inexistente. Passou a deputado independente? Abandonou o CDS?
Estar embevecido pelo cargo não desculpa desconhecer os limites das suas funções.
O presidente do parlamento até pode chefiar uma delegação parlamentar com composição aprovada pela conferência de líderes da Assembleia. Mesmo a sua participação, em acto oficial para o qual foi convidado em nome da Assembleia, exige o conhecimento e consenso prévio dos líderes dos partidos com representação parlamentar. A representação oficial do parlamento exige a concordância da maioria dos deputados.
Este “marcelismo” da presidência do parlamento é fruto de desconhecimento do lugar que ocupa. Querer ser um “Marcelo” madeirense, com protagonismo e popularidade pessoal, não é aceitável para um deputado de um grupo parlamentar de três membros que chega a presidente por exigência pessoal. Pegar em todo o estatuto e mordomias da presidência do parlamento e sair para o mercado político não tem paralelo. O presidente da Assembleia da República não vai visitar organizações de bombeiros, solidariedade social, etc. Não é sua função enquanto tal. Nem distribuir o dinheiro (máscaras por exemplo) do parlamento em ajudas a entidades independentes. Isso cabe ao governo e às autarquias. Por menos, alguns deputados regionais no passado tiveram dissabores com o Tribunal de Contas e foram obrigados a repor os valores em causa. O dinheiro do orçamento da Assembleia é para ser gasto na exacta medida do necessário para o funcionamento da Assembleia. Se houver excedente torna-se evidente que as suas previsões foram erradas e das duas uma: ou é devolvido ao orçamento regional ou fica para o ano seguinte. Nunca para ser distribuído por organizações privadas ou públicas sem critério conhecido e por vontade pessoal do seu presidente. É crime gastar fora do previsto no orçamento. E este só pode ser alterado pelo plenário de todos os deputados. Nunca pelo seu presidente. As notícias atribuíram essas decisões à vontade de Rodrigues.
Tudo isto é falta de cultura democrática e populismo barato.
A pandemia refreou todo este ímpeto por popularidade pessoal. Percebo que ninguém corrija a conduta do novo presidente do parlamento. A sua indisposição pode custar uma reviravolta na política regional. Muito está dependente da postura pessoal de Rodrigues. Nunca se sabe o dia de amanhã.
Mas o que se sabe é que na legislatura anterior qualquer deputado do PSD podia ter exigido a presidência da Assembleia, pois o seu voto faria cair o governo. Só que o PSD é um partido maduro, sério e os seus militantes incapazes de protagonizarem um assalto pessoal como o que assistimos ser perpetrado por deputado do CDS. Imagino a cachola de Lopes da Fonseca, e porque não de Ana Cristina Santos, por não terem disputado a mesma exigência. Até quero crer que Rui Barreto teria preferido estar no lugar de José Manuel Rodrigues. É posto mais adequado para a sua simpatia e sorriso, apesar do esforçado desempenho como secretário regional da economia.
Mas na política não pode valer tudo. O povo não é cego nem estúpido. E na política as decisões são escrutinadas em silêncio pelo povo. O acerto de contas é sempre feito no dia das eleições.