>
Artigos

Redução de Perdas de Água nas Redes de Distribuição da Madeira (II)

Mais do que falar, estes números gritam. Mas será que, mesmo assim, serão ouvidos?

“Não herdámos a Terra dos nossos antepassados. Pedimo-la emprestada aos nossos filhos.”

Provérbio Nativo Americano

As perdas de água são um assunto cada vez mais debatido no espaço público da Região – e ainda bem que assim é, apesar de, infelizmente, ter sido preciso chegar-se próximo de uma “emergência ambiental” para que tal acontecesse. Mas, perguntarão... será que se chegou mesmo a uma situação tão dramática? Depois de, na primeira parte deste artigo, ter feito uma explanação genérica do tema, deixemos então agora os números falar.

- Dos cerca de 60 milhões de metros cúbicos (Mm3) entregues anualmente pela Águas e Resíduos da Madeira (ARM) em reservatórios distribuidores, apenas na ordem dos 18 Mm3 são cobrados, pelo que, aproximadamente, 42 Mm3 (70% do volume entrado) são de água não facturada (ANF). Para que se tenha uma noção da sua magnitude, este volume corresponde ao enchimento diário de 45 piscinas olímpicas como a da Penteada ou do estádio de futebol do Marítimo até uma altura de 6 pisos.

- Atendendo ao degradado estado das redes, estima-se que as perdas reais - água que se perde fisicamente na rede, ramais e reservatórios -, um efectivo desperdício de recursos, representem cerca de 80-90% do total de ANF (em Portugal Continental correspondem a, aproximadamente, 70%). Deste modo, 10 a 20% será o peso relativo dos restantes dois tipos de perdas, meramente comerciais, e que são os seguintes: por um lado os usos autorizados não facturados (consumos da administração local, regas públicas, “ofertas” a instituições de apoio social...) e, por outro, as perdas aparentes, correspondentes a volumes não contabilizados, consequência de erros de medição nos contadores e de “roubos” de água. Assim, desses 42Mm3 anuais, cerca de 36Mm3 são puro e simples desperdício de água.

- Admitindo preços médios de compra de água à ARM de 0,3€/m3 e de venda aos munícipes de 1€/m3, tem-se um desperdício económico com a ANF de cerca de 17 milhões de euros (M€) anuais.

- As perdas estão a aumentar a um ritmo avassalador - nos últimos 5 anos a taxa anual média de crescimento foi de cerca de 3% (actualmente no Continente é da ordem dos -7%, ou seja, o volume de ANF está a decrescer). Ora, a continuar-se assim, daqui a, por exemplo, outros 5 anos, a ARM teria de entregar anualmente nos reservatórios não 60, mas 70 Mm3, com um acréscimo de perdas da ordem dos 10Mm3. A esse volume corresponderia um adicional de 4M€, perfazendo assim, neste cenário, um prejuízo total de 21M€ anuais consequência das perdas de água. Chamo à atenção que este valor é da ordem de grandeza, por exemplo, do orçamento anual da Câmara de Santa Cruz.

Mais do que falar, estes números gritam. Mas será que, mesmo assim, serão ouvidos? A resposta é: terão mesmo de o ser, porque as consequências de não se atacar urgente e frontalmente este problema serão gravíssimas.

A título exemplificativo, enumeremos apenas algumas que, inclusive, já estão actualmente a verificar-se: sobre-exploração de furos de captação conduzindo à sua inoperacionalidade, desvio para abastecimento humano de água necessária para o regadio, roturas na distribuição com implicações ao nível doméstico e do turismo, bombagens ininterruptas sem folgas para manutenção, emergências ou reposição de volumes em reservatórios, custos energéticos e de tratamento cada vez mais elevados, deficiente funcionamento hidráulico das redes com consequências quer na sua deterioração precoce, quer no desconforto dos utilizadores, rebentamentos e avarias em número cada vez mais elevado - entre muitas outras.

Em suma, e mantendo-se o actual estado de coisas, ter-se-á uma crescente pressão sobre os recursos naturais, um aumento do stress hídrico, custos cada vez mais elevados e, em pouco tempo, escassez de água potável.

Na terceira (e última) parte deste artigo falaremos sobre soluções - julgo que, nestas duas primeiras, já terá ficado claramente demonstrada a gravidade da situação e a necessidade urgente de toda a Comunidade se unir neste combate longo, difícil, mas do qual ninguém se poderá alhear.

Fechar Menu