Calamidade? A mental e a económica são enormes
Pensar que será tudo “como Deus quiser”, é pensar que ele não tem mais que fazer do que emendar as nossas más decisões. Ser optimista, só porque sim, sem o sustentar em dados concretos, é pura alienação
1. Livro: Para a semana vou fazer umas curtas férias. Vou levar para ler: “Os Sete Pilares da Sabedoria” de T. E Lawrence, “A Nova Direita Anti-Sistema” de Riccardo Marchi, e do meu bom amigo Carlos Guimarães Pinto “A Força das Ideias, Histórias de uma Eleição”.
2. Disco: programados no Spotify estão para ouvir os fantásticos Khruangbin e o novíssimo “Mordechai”, a última loucura dos Pottery “Welcome To Bobby’s Motel”, a desconstrução sonora da venezuelana Arca reunida no seu último álbum “KiCk i” que conta com as participações de Björk e de Rosália, e, claro, que não podia faltar um electro-pop retro: Jessie Ware e “What’s Your Pleasure?”.
3. Estou cansado. A sério que o estou. Passo por um daqueles momentos em que penso que não vale a pena. Para quê andar para aqui a gastar o meu latim (atenção que não tenho sequer a mínima pretensão de estar correcto), se o que as pessoas querem é o que temos? Para quê me preocupar com o futuro das minhas filhas, se os outros se estão marimbando para o futuro dos seus descendentes? De que vale ter por esta terra um amor profundo e incondicional se, depois, os que sobre ela andam não querem saber e estão satisfeitos por terem uma mão-cheia de nada e outra de coisa nenhuma?
Aqui chegados ao fim de 40 e tal anos, e depois de uma ditadura de quase 50 anos, se temos muito mais do que tínhamos, ao mesmo tempo, não temos nada.
A mobilidade, seja ela marítima ou aérea, amarra-nos ao paraíso, e é coisa com a qual ninguém se preocupa. Andamos sempre de mão estendida e ninguém quer saber. Continuamos com uma figura instalada no Palácio dos Governadores, a tutelar a Autonomia, e está bem assim. Vivemos num mundo virtual onde não sabemos onde acabam as competências da saúde e começam as da segurança social. Fomos incapazes de copiar o que é bom, criando um sistema fiscal próprio, de fiscalidade reduzida. Temos a saúde de pantanas e achamos normal que um concurso para a construção de um hospital fique deserto, depois de uma data de consórcios se terem chegada à frente. A educação é uma manta de retalhos, sem sentido. A administração pública é uma máquina pesada que trabalha a três velocidades - devagar, devagarinho e parada - e a culpa nem é dos seus funcionários. Insistimos em andar distraídos no que respeita a uma reforma geoadministrativa do arquipélago, que o torne mais eficiente e próximo. Permitimos a criação de uma meia dúzia de empórios que dominam isto tudo a seu belo prazer, trocando quotas entre si. A Madeira Nova é esta porcaria.
Nunca compreendi tão bem o Padre António Vieira como nestes últimos tempos. O fedor a peixe exala de todo o lado. Tal como os peixes, tiramos um prazer especial em nos comermos uns aos outros, sem percebermos que são sempre os grandes que comem os pequenos. Tal qual os peixes, também muitos de nós deixam-se tentar por um pouco de porcaria, na ponta de um anzol, que abocanham com grande vontade, como se tudo dependesse disso.
Estou longe de ser “o sal da terra” e não tenho feitio para pregador, mas, e dando um salto para Shakespeare, “há algo de podre no Reino da Dinamarca”... e já nos habituámos ao fedor.
4. Conforme escrevi o texto acima, fui assaltado por vários sentimentos. Que era chegada a altura de deixar-me de tretas e “remeter-me à minha ignorância”, como se costuma dizer; que estou farto de pensar as coisas de um modo que acho claro e que possa, ao escrevê-las, contribuir com alternativas ao modo como vemos o nosso futuro comum; que, muito francamente, tenho mais o que fazer.
Depois apeteceu-me ir de férias. Longas. Bem longas. Respirar, pensar em mim, ler mais, olhar para os meus, marimbando-me para isto tudo, rendendo-me ao “deixa andar” e ao “quero lá saber”.
Estou francamente cansado de ver passar, debaixo do nosso nariz, oportunidades perdidas. Estou cansado de ver os nossos melhores serem destratados e desvalorizados pela mediocridade dos que decidem. Tenho a presunção – sim, também tenho mais esse defeito – de que a maioria das coisas que escrevo não são sequer entendíveis por quem de direito. Devem olhar para isso com o desprezo tipificador da ignorância. Não percebem, não sabem, nem querem saber. E, acima de tudo, não perguntam, para que não demonstrem o tão pouco que valem.
Estou farto de estar farto.
5. O que aí vem, são tempos terríveis. Empresas a falir, desemprego galopante, Estado sem capacidade financeira para acudir a todos, fome, depressões, suicídio. Em suma, uma sociedade doente onde as desigualdades se vão agravar, onde o fosso social vai ser quase intransponível.
Não, não estou a ser pessimista. Estou a alertar para um cenário que pode, facilmente, tornar-se realidade. Fazer como a avestruz e enfiar a cabeça debaixo da terra, não vai resolver nada. Pensar que será tudo “como Deus quiser”, é pensar que ele não tem mais que fazer do que emendar as nossas más decisões. Ser optimista, só porque sim, sem o sustentar em dados concretos, é pura alienação.
Sei que sou chato e que já são poucos os que têm paciência para me aturar, mas tenham a esperança de que me farte mesmo de tudo isto e comece a escrever sobre gatinhos.
6. Esta coisa da lei e do que ela determina serve, entre outras coisas, para que todos acertemos o passo pelos mesmos princípios e determinações. A lei é para todos e a sua leitura não está dependente de estados de espírito, nem da vontade dos que por ela têm a obrigação de zelar.
O Governo Regional decidiu prolongar o “estado de calamidade” até ao final de Julho, pelo menos, pois cheira-me que vamos ter esta calamidade até que a vaca tussa. Calamidade é o segundo mais grave numa escala de quatro. Acima só o de emergência. E, com toda a franqueza, se o não soubesse e ouvisse referência a calamidade, esta parecer-me-ia, sempre, muito mais grave que a emergência.
Ou seja, vamos continuar, a par de algumas freguesias de alguns concelhos da região de Lisboa onde os casos têm aumentado, em estado de calamidade, o que implica que continuemos impedidos de exercer alguns dos nossos direitos, como seja o de livre circulação e permanência.
Para os emissores de viagens, para os que, do estrangeiro, nos querem visitar, a Madeira está num estado igual ao pior estado de algumas freguesias de Lisboa.
Estou em crer que o estado de alerta era mais do que suficiente, pois na sua definição reconhece a necessidade de adoptar medidas preventivas e a obrigatoriedade da feitura dos testes pode ser aqui incluída, pois, é um modo de prevenir a possibilidade de contágio.
Posto isto, o Presidente do Governo Regional da Madeira quer que o Governo Português convença os seus parceiros europeus, que não querem autorizar voos para um país em estado de alerta, a que autorizem voos para uma região em estado de calamidade:
“Minha cara Merkel, manda lá daí uns aviões carregados de turistas alemães para a Madeira”, pede Costa.
“Vais-me desculparrrr carrrro Costa, mas não posso porrrrque vocês estan en estado de alerrrta”.
“Nós estamos minha querida, mas eles não. Estão em estado de calamidade”!
Isto faz algum sentido?