>
Artigos

Pedro Ramos: herói imprevisto?

Agora, temos a tarefa de recomeçar sem deitar tudo a perder. A História registará apenas o número de falecidos

É o político do momento. Não há forma de contrariar a importância da sua intervenção neste semestre de 2020, qual ano negro da Humanidade. Como todos os principais protagonistas de uma época marcante condicionada por uma nova realidade que nos faz viver o medo do desconhecido, do incerto e da possibilidade de um desfecho letal. Foi o ditador das regras comportamentais de cada um de nós e de todos em conjunto, para muitos num exagero demasiado, mas que foram soberanas no evitar de um alastramento pandémico de consequências imprevisíveis. Imagináveis mas desconhecidas. Vá lá saber-se em cenários hipotéticos diversos qual a situação presente. Melhor seria impossível, pior facilmente poderia ter acontecido.

Perante o desconhecimento do que aí vinha qualquer decisão era arriscada e, certamente, tomada sob inúmeras dúvidas absolutamente aceitáveis. É uma das rara situações em que nada fazer, e deixar andar, não era opção.

Foi o herói imprevisto. Estava destinado a construir o novo hospital, tarefa por si só muito complexa e realização esperada e exigida por todos os quadrantes sociais e políticos. Curiosamente mostrou que esta equipa global da saúde regional trabalha bem com hospital velho. Ainda ninguém se queixou do actual hospital nesta guerra ao vírus. Muito menos dos seus profissionais, que mostraram serem competentes e dedicados para além do quanto basta. E tenho a convicção que estas qualidades foram determinantes para escaparmos com sucesso à angústia do flagelo de uma pandemia descontrolada.

Para nós, que todas as 18 horas esperávamos pelas notícias do dia, não imaginávamos os contornos, detalhes e enigmas do dia a dia do responsável político pela saúde pública e respectiva equipa de trabalho. Reunir a informação e o conhecimento exterior, tanto nacional como estrangeiro, e integrar na realidade regional, de difícil avaliação científica face à sua reduzida dimensão, devia exigir uma permanente ansiedade pelo acerto de cada decisão, de cada palavra ou gesto. Fazer todos nós acreditar no acerto do caminho traçado, seguido de modo inflexível, era tarefa quase impossível. Numa terra em que cada três de nós produz, no mínimo, seis opiniões diferentes, é inimaginável reunir acordo para tanta e tão difícil decisão sem possibilidade de imediata comprovação científica. Era preciso aguardar pelos resultados da terapia adoptada. O resultado era incerto. O risco era muito.

A coragem necessária foi enorme. Provavelmente solitária. Em todo o mundo morria gente sem distinção, nomeadamente em contextos semelhantes como os Açores e Canárias, e o mais natural era o mesmo acontecer por cá. Mas não foi assim e devemos estar muito felizes por sermos excepção a um ritual de óbitos, noutras paragens, sem regra nem previsão.

Hoje é fácil, e não tem risco, dar opinião sobre os últimos três meses das nossas vidas. Opinar alternativas, debitar nuances possíveis, inventar diferentes caminhos.

O melhor é, antes de debitar qualquer crítica ou correção ao que foi feito, fazer uma reflexão séria e consciente, e louvar quem teve a coragem de se manter na liderança da saúde pública regional ( da Região Autónoma da Madeira como ele diria ), traçar um rumo, mantê-lo no essencial por todo este tempo, e chegar aqui satisfeito, e certamente orgulhoso, pelo resultado obtido: zero de falecidos pelo covid-19.

Curiosamente todos ansiavam por saber o número de infectados de cada dia. Isto porque equivalia a um possível próximo óbito. Na verdade o número de infectados só era importante pelo perigo de contaminação que representavam, principalmente no tempo em que eram assintomaticos, já que o resultado definitivo da pandemia se mede pelo número de falecidos. A História registará apenas os mortos.

Se o Secretário Regional deve ser felicitado, sem dúvida que igual honraria cabe ao Presidente do Governo Regional.

Percebemos quanto mais valioso é o nosso sucesso quando vemos o que se passa em Lisboa, onde as eminências pardas da saúde deste país não conseguem controlar a pandemia. Tanto saber levou a um inaceitável descontrolo. Um presidente Marcelo, feito carro zero-zero de António Costa, vai suavizando as crescentes críticas ao governo e abrindo caminho a novas e mais duras medidas de comportamento social. Uma parceria que parece não ser suficiente para as encomendas.

Agora, temos a tarefa de recomeçar sem deitar tudo a perder. Manter segurança na saúde pública e, em simultâneo, reabrir a economia, indispensável à satisfação global das nossas necessidades financeiras pessoais e colectivas. É uma tarefa tão difícil como a anteriormente descrita. Que tem de ser construída de forma transversal e equitativa para todas as actividades económicas. Somos todos filhos das mesmas raízes e merecemos expectativas com equilíbrio e esperança.

Os elogios, na nossa classe política, são muito raros. É muito mais comum a ofensa e agressão. Mas há que saber estar gratos, e reconhecê-lo publicamente, pelo menos quando sabemos que não éramos capazes de fazer melhor.

Fechar Menu