Onde param os neoliberais?
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Um dos aspetos mais curiosos da crise provocada pela Covid-19 é a aparente conversão dos neoliberais aos princípios do Estado Social, que pressupõe um Estado forte e interventivo a nível socioeconómico. Na verdade, não deixa de ser irónico que os que defendiam menos Estado exijam, agora, mais Estado.
Estou apenas a fazer uma constatação; não a defender que o Estado não deva pôr todo o seu empenho na adoção de medidas que permitam a saída desta crise, tão rapidamente quanto possível. No entanto, isto não me impede de registar a incoerência daqueles que na vida só se movem com o objetivo do lucro, ainda que o mesmo implique o atropelo dos direitos dos outros. É patético ver quem sempre defendeu que o Estado deveria ficar à margem da economia agarrar-se aos apoios financeiros públicos como única boia de salvação. Um dia, salvos, voltarão à sua obsessão natural de exigir que quem os salvou do mar tormentoso se afaste do mesmo mar, entretanto, virado bonançoso.
Volto a afirmar que o Estado tem a obrigação de apoiar todos os que dele precisam. No entanto, não sou néscio ao ponto de achar que os resultados desta crise serão diferentes dos das anteriores, pelo menos, em dois aspetos:
1. ela servirá para suprimir direitos aos trabalhadores;
2. os grandes grupos económicos farão dela uma nova forma de aumentar os seus lucros.
Face a isto, as lutas dos trabalhadores pela defesa dos seus direitos são um ato de cidadania e não atos desonestos, como os apelidam alguns. Os direitos não se alienam em nenhum contexto, porque fazê-lo é escancarar as portas à exploração. Mais, um direito perdido por um grupo de trabalhadores nunca reverte para outro, por mais miseráveis que sejam as suas condições; antes engrossará os lucros de quem se alimenta das fraquezas coletivas.
Por isso, é demagógico atacar a defesa de um direito inquestionável, sobretudo quando está explicitamente garantido pela lei, com o argumento de que este não é o momento certo. Pois fiquem sabendo, nenhum momento é indicado para a alienação de direitos. Se a lei (n.º 1 do art.º 168 do Código de Trabalho) sobre os instrumentos de teletrabalho diz que “Na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respetivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas”, o Estado deve cumprir. Se não tiver condições para o fazer, tem de negociar com as organizações representativas dos trabalhadores. Ora, ciente da incapacidade de o Estado cumprir com o fornecimento dos instrumentos necessário ao teletrabalho dos docentes exigidos por lei, veio o SPM – no seguimento de uma luta que remonta, pelo menos, a 2013 – defender o ressarcimento parcial através de um benefício fiscal. O que é que isso tem de desonesto?
Desonesto, isso sim, é esconder que as crises reforçam os fortes e enfraquecem os fracos e, pior, ser agente dessa injustiça.