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Crónicas

Croissants e bolos

Mais espantoso do que veio desta excursão a Fátima e ao Norte de Portugal, foi a mala da minha prima Ana no regresso da viagem a Las Palmas e Santa Cruz de Tenerife

Lembro-me de ficar a ouvir as conversas no muro que dava para o campo de futebol da escola dos Ilhéus, lembro-me de ficar muito calada para não dar a perceber que não sabia nada de férias, não fazia ideia de como era um avião por dentro, nem o que era um quarto de hotel ou um pequeno almoço com croissants. Eu achava que em todos os hotéis do mundo havia croissants e bolos ao pequeno almoço, mas era por causa das histórias da minha tia Conceição, que arrumava quartos no hotel Girassol.

Das pessoas da família, a minha tia Conceição e a minha prima Ana eram as únicas que tinham experimentado esse luxo das férias fora. O alvoroço que se fez entre a minha mãe e as minhas tias quando abriram as malas e tiraram coisas nunca antes vistas como um galo do tempo e dois bonecos vestidos como os pescadores da Nazaré. Lembro-me de que contei as saias da boneca, a ver se tinha mesmo sete e passei tardes a ver descer e subir um barco rabelo no interior de uma esferográfica.

Mais espantoso do que veio desta excursão a Fátima e ao Norte de Portugal, foi a mala da minha prima Ana no regresso da viagem a Las Palmas e Santa Cruz de Tenerife. Ainda hoje me espanta como conseguiu meter lençóis, uns óculos Rain Ban para o meu primo Vítor, manteiga de amendoim, várias t-shirts e dois estojos completos para o meu irmão e para mim dentro de uma mala de napa que, anos mais tarde, haveria eu de carregar pelas escadas rolantes do aeroporto na viagem para a faculdade.

Estas histórias era tudo quanto sabia sobre férias, aviões, aeroportos, hotéis e compras pelo que, naquelas conversas de raparigas, eu não tinha o que acrescentar e fazia por ser quase invisível não me fossem perguntar onde contava ir no Verão. E eu não queria explicar que não iria além do Lido ou da Barreirinha e, com sorte, talvez fosse à serra com o grupo de jovens, daqueles passeios de improviso, quando nos arrumavámos na parte de trás de um carro de carga e havia música e cantoria e pão com salame para o lanche.

Também não queria contar que a minha vida social se resumia aos encontros de jovens, com retiros e reflexão, sendo o momento mais glorioso a festa da paróquia e a procissão e aquele bocadinho na noite de sábado para domingo, enquanto a minha mãe comprava rifas no bazar da quermesse e conversava com a Mariazinha, a senhora que tomava conta da igreja. Eu haveria de cirandar pelo adro e descampado, onde os miúdos levantavam poeira ao jogar à apilhagem e a banda tocava a música no coreto, e imaginar-me grande o suficiente para ter um namorado.

Umas férias boas teriam isso tudo: praia, um passeio na serra, cinema, um namorico de longe e muitos dias em casa, no quintal a ler ou a moer a paciência à minha mãe ou a ouvir o meu irmão declarar a inexistência de Deus. E ainda me ficaria tempo para pensar no futuro, em férias esplendorosas. O que diriam as miúdas das escola se eu aparecesse com fotos na Torre Eiffel ou mesmo em Lisboa? A vida seria certamente outra, mas isso nunca aconteceu. As minhas férias foram todas assim, sem tirar, nem por, até aos 18 anos. A primeira vez que cruzei a fronteira tinha 23 anos e na mesma altura soube o que era um hotel e percebi que não há sempre croissants e bolos ao pequeno almoço.

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