Ensino à distância é um “remendo” e não solução para o futuro
O secretário de Estado Adjunto e da Educação reconheceu hoje que a solução do ensino à distância para o terceiro período letivo é um “remendo”, sublinhando que não substitui o trabalho presencial.
“Não pensemos que o que aconteceu neste terceiro período, e está a acontecer, é uma mudança paradigmática na educação. É um remendo para poder levar este ano letivo até ao fim e agora interessa-nos estarmos num trabalho de preparação para o próximo ano letivo”, afirmou João Costa.
O secretário de Estado participou num ‘webinar’ sobre os desafios e oportunidades para a educação do futuro, organizado pela Câmara de Comércio e Indústria, e falou sobre os constrangimentos colocados pelo modelo que substituiu as atividades presenciais, suspensas devido à pandemia da covid-19, e sobre as lições para o futuro.
Recordando a forma rápida como a pandemia avançou pelo mundo e entrou em Portugal, o secretário de Estado explicou que o Governo teve de implementar um “plano que não foi preparado” e que a resposta encontrada não é uma solução para o futuro.
“Nenhum sistema educativo no mundo estava preparado para isto e aquilo que fizemos, de março para cá, foi, no fundo, arranjar uma solução de emergência”, considerou João Costa.
Referindo como exemplo o programa #EstudoEmCasa da RTP Memória, o secretário de Estado sublinhou que assegurar a conectividade, por si só, é “manifestamente insuficiente” e não garante a aprendizagem.
“O acesso à educação não significa sucesso na educação, não basta haver escola para garantir que as crianças aprendam”, afirmou, comparando os meios digitais, num contexto de ensino à distância, a um “novo transporte público para chegar à escola”.
Desde o início do ensino à distância, em 16 de março, quando o Governo suspendeu as atividades letivas presenciais em todos os estabelecimentos de ensino, uma das principais preocupações das comunidades escolares, das autarquias e do executivo foi a de assegurar o acesso à educação, através da disponibilização de equipamentos de materiais de trabalho.
Apesar desses esforços, que não resolvem todas os problemas, o modelo atual transporta constrangimentos que não são possíveis de ultrapassar, alertou João Costa, referindo que “a essência do ato educativo está na dimensão relacional” e que, não sendo esta possível, o ensino à distância tem efeitos negativos ao nível do desenvolvimento de competências sociais e emocionais.
“Esta distância que agora foi criada é uma machadada muito grande nestas áreas de competência, nas competências sociais e nas competências emocionais. Porque a essência do ato educativo está na dimensão relacional”, referiu.
Este foi um dos problemas apontados por Pedro Cunha, diretor do Programa Gulbenkian Conhecimento e diretor-adjunto da Fundação Gulbenkian, que também participou no ‘webinar’, em que explicou que esta nova forma de ensino está a ter um impacto negativo, sobretudo nas crianças mais novas, do ponto de vista da saúde mental e do seu desenvolvimento em outras áreas extracurriculares.
Por outro lado, continuou, a forma como o ensino à distância está em muitos casos a funcionar, com um acompanhamento espaçado por parte dos professores, que tem vindo a ser denunciado pelas associações de pais, significa também que as aprendizagens ficam aquém.
“Não é realista imaginar que uma criança do primeiro ciclo de escolaridade tem as competências de autonomia, de organização, de planeamento, de controlo, de regulação emocional para trabalhar 20 horas por semana autonomamente e cinco horas por semana com o professor”, considerou Pedro Cunha, que é também especialista em psicologia educacional.
João Costa foi mais longe e referiu que este “remendo” não permite evitar o agravamento das desigualdades socioeconómicas, que são consequência de qualquer crise.
“Em primeira instância, a escola tem uma função social e esta função social não é reproduzível à distância”, explicou, acrescentando que, por outro lado, o modelo remoto exerce uma grande pressão sobre as famílias, que passam a ter um papel mais ativo na orientação do trabalho dos alunos.
“Esta dependência das famílias não é justa, na medida em que há pais que têm capacidade, formação, disponibilidade para apoiar os seus filhos, mas há outros que simplesmente não conseguem e por muito intencionados que estejam sentem-se perdidos e isto também é um enorme acelerador de desigualdades”, explicou.
Olhando para o futuro, o secretário de Estado considerou ainda que o contexto atual, que “pôs o sistema educativo debaixo de uma lupa”, mostrou também a importância de pensar o currículo de forma diferente, de forma integrada e interdisciplinar, e com uma atenção maior sobre as literacias mediática e digital.