Supremo brasileiro decide que inquérito sobre notícias falsas é válido
O Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro decidiu hoje, por 10 votos favoráveis e um contra, pela continuação de um inquérito sobre a disseminação de notícias falsas no país, decidindo que a sua tramitação é válida.
A maioria do STF votou pela legalidade e constitucionalidade do inquérito, instaurado em março do ano passado para apurar ameaças, ofensas e notícias falsas difundidas contra magistrados daquele tribunal e seus familiares, e cuja investigação está no centro da crise entre o atual Governo e aquele tribunal.
O julgamento, iniciado na semana passada, foi concluído na tarde de hoje com os votos dos magistrados Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Dias Toffoli.
Marco Aurélio Mello abriu a votação de hoje, tendo sido o único que votou contra o prosseguimento do inquérito ao longo do julgamento.
O juiz defendeu que não poderia ser o próprio STF o autor da investigação, porque isso violaria a separação de funções no processo criminal prevista na Constituição.
“Não pode a vítima instaurar inquérito”, advogou Marco Aurélio, acrescentando que cabe ao Ministério Público a sua instauração.
“Supremo não é sinónimo de absoluto, é um dos poderes que integra a República. (...) Estamos diante de um inquérito natimorto, e ante as achegas [adições] verificadas depois de instaurado, diria mesmo um inquérito do fim do mundo, sem limites”, avaliou ainda o juiz.
Porém, os restantes dez magistrados votaram a favor da continuação do inquérito.
Celso de Mello, o juiz mais antigo do tribunal, considerou ser “indispensável deter” aquilo que classificou de “máquina de ‘fake news [notícias falsas]’ e que o presente inquérito teve por “legítimo objetivo viabilizar a defesa institucional do STF, proteger a honra dessa alta instância e a preservação da integridade física e moral dos juízes que a integram”.
Ainda segundo Celso de Mello, “há um núcleo decisivo, um núcleo político, um núcleo financeiro e um núcleo técnico operacional, à semelhança das organizações criminosas, com o objetivo de promover ataques sistemáticos e coordenados à dignidade institucional do STF e à honorabilidade dos seus juízes”.
Já Dias Toffoli, presidente do STF e o último magistrado a votar pela validade do inquérito, afirmou que não se pode “banalizar as ameaças às instituições democráticas e os riscos que a ditadura do relativismo operam numa sociedade democrática”.
Com o julgamento terminado, após aprovação por maioria, o inquérito que investiga a disseminação de ameaças, ofensas e notícias falsas ao STF continuará aberto.
A ação concluída hoje no Supremo, que questionava a constitucionalidade do inquérito, foi apresentada em 2019 pelo partido Rede Sustentabilidade, que, na ocasião, considerou que a investigação apresentava “inquietantes indícios antidemocráticos”.
Também o procurador-geral da República (PGR) brasileiro, Augusto Aras, pediu ao STF a suspensão do inquérito.
O inquérito em causa intensificou uma crise entre o Supremo e o atual executivo brasileiro, liderado pelo Presidente Jair Bolsonaro, após aliados do chefe de Estado terem sido alvo de uma operação policial, ordenada pelo juiz do STF Alexandre de Moraes, por suspeitas de disseminação de notícias falsas nas redes sociais.
Na ocasião da operação, no final de maio, Jair Bolsonaro criticou a investigação, afirmando que “há limites” para ordens policiais “absurdas”.
O chefe de Estado classificou ainda a decisão como um atentado à liberdade de expressão, afirmando que “querer criminalizar o crime de ódio é um artifício para querer censurar as ‘media’ sociais”.
Além dos ataques na internet, cerca de 30 apoiantes de Jair Bolsonaro causaram polémica na noite de sábado ao lançar fogo de artifício contra o prédio do Supremo, instância que tem sido frequentemente alvo de ataques inconstitucionais e antidemocráticos por parte do eleitorado do atual chefe de Estado.