Pregando aos peixes...
Muitos erros estão a ser cometidos neste novo conflito mundial, erros estes que estão a precipitar a radicalização da população
Já se tornou claro que 2020 não será um ano para recordar com simpatia no futuro. Após um confinamento em massa do mundo em razão das ameaças representadas pelo coronavirus que, como seria de esperar, está a causar uma extrema instabilidade económica já apelidada de “economia de guerra”, surge uma outra guerra – a das batalhas culturais e raciais que eclodiram após o homicídio de George Floyd nos finais de maio.
Ia dedicar este artigo às palavras do irmão de George Floyd, Philonise, que apelou à calma quando se verificaram as situações de motim e de vandalização na cidade de Minneapolis, ou seja, quando ninguém podia exigir este comportamento dele, depois de terem assassinado o seu irmão. Mas ele fê-lo num discurso convicto e sem gaguejos. Contudo, parece-me adequada a mudança de tema. Afinal de contas que sociedade seria esta se não se ignorassem as palavras de apelo à moderação e se passasse de imediato aos extremos? (Registe-se a ironia, claro).
Desde o início dos protesto mistos (os pacíficos e os violentos) que a ocorrência destes já se alastrou por toda Europa. Uns claramente com mais razões do que outros. E o resultado tem sido relativamente constante: falta de soluções, violência contra seres humanos e agora a destruição de estátuas que, segundo os autores de tais actos, representam personagens “racistas e fascistas”. Os leitores a par deste novo fenómeno “monumental”, certamente já saberão que estas classificações são usadas de forma banal, já que até estátuas de Winston Churchill, um dos principais autores da queda do regime fascista alemão, em conjunto com Roosevelt e Stalin, se encontram na lista de estátuas a abater.
Como de costume, em Portugal temos que ir na onda e já tivemos a vandalização da estátua do pe. António Vieira na quinta-feira passada, com alusões aos males da colonização portuguesa na era dos Descobrimentos, apesar dele mesmo ter sido um ávido defensor dos indígenas do Brasil, estatuto reconhecido tanto no passado como no presente.
Entretanto, surgiu um pormenor nesta situação que sinceramente me animou o espírito que foi o da voz condenatória de um número de políticos em relação à situação, nomeadamente a de André Silva do PAN e de Porfírio Silva do PS, membros de partidos dos quais estava à espera de que se remetessem ao silêncio ou defendessem o indefensável (como ocorre com o Mayor de Londres).
Vamos considerar o seguinte: apesar de, como outros tantos, eu ter um orgulho exacerbado na era do desbravar dos mares nunca dantes navegados, imortalizada por monumentos/estátuas, a verdade é que a luta contra a falta de justiça tem que ser priorizada, em termos não só das injustiças raciais como também das que todos vivemos diariamente. Contudo, nada impede a coexistência destas duas correntes de pensamento, a do orgulho nacional e a da garantia da igualdade entre os cidadãos. Se se quer contextualizar um determinado evento histórico com o que trouxe de bom e de mal, o que importa é fazê-lo através da formação para a cidadania, à boa maneira de Vieira, e não com a destruição/censura da história. O que se vê, de facto, é um autêntico iconoclasmo cultural e, como tal, nada de bom advirá dele. Aliás, após estas ações de vandalismo já se verificou a retaliação segundo a Lei de Talião - já foram vandalizados murais (e não só) dedicados àqueles que foram vítimas máximas do racismo e do fascismo portugueses com o uso de frases plenamente racistas e xenófobas, um resultado igualmente lastimável que a ação que o provocou, mas nada surpreendente. Há um ditado inglês que traduz a situação: “um olho por olho torna o mundo cego” (an Eye for an Eye makes the whole world blind). Como podemos ver, a cegueira progride a passos largos.
Muitos erros estão a ser cometidos neste novo conflito mundial, erros estes que estão a precipitar a radicalização da população em vez da sua moderação ideológica e todos eles produto de revoltas passadas (ações cometidas por antepassados sobre antepassados) que tendem a ignorar a procura de soluções de problemas gritantes do presente.
No que toca ao meio português, existem várias comunidades pouco integradas na sociedade e, infelizmente, enquanto que alguns trabalham para uma coexistência pacífica entre indivíduos diferentes, outros, de ambos os lados, se esforçam por uma futura segregação, seja ela racial, seja cultural ou política, tudo se baseando no racismo e na generalização de traços negativos a toda uma sociedade, quer da maioria para a minoria quer desta para aquela.
Independentemente do que façamos, existirão sempre os desestabilizadores, contudo sempre será necessário combatê-los mesmo que, no fundo, seja como “pregar aos peixes”.