Pedimos desculpa por esta interrupção
O que temos, ao fim de 40 anos, é uma Autonomia de mão estendida. Somos dependentes e, se o somos, a autonomia fica cambada.
1. Livro: há quem tenha comparado “2666”, de Roberto Bolaño, ao “Ulisses” de Joyce. Não vou tão longe. Mas, lá que é um excelente livro, não se o pode negar. “2666” é um livro sobre obras de arte, um livro sobre como escrever livros. Não é um livro, fácil esta história de quatro professores fascinados pela obra de um obscuro, mas cada vez mais conhecido, Beno von Archimboldi. É um daqueles livros para ler devagar. Imprescindível.
2. Triste fado o nosso. Voltou a politiquinha. A insinuação, a pressãozinha, a manipulação, a merdice. Estamos rodeados de gentinha sem nível, de medíocres donos da chave da retrete, armados ao pingarelho, sem norte, sem caminho, sem sentido. Se alguém tinha a secreta esperança de que alguma coisa fosse mudar, desengane-se. Vai continuar tudo na mesma ou pior. Vejam isto como um intervalo. Ou então, os mais velhos vão lembrar-se das interrupções de emissão da velhinha RTP com o cartaz a dizer: “pedimos desculpa por esta interrupção, o programa segue dentro de momentos”.
Sofro ao pensar que é disto que as pessoas gostam. Criou-se um modelo de autonomia sustentada numa Assembleia monobloco, poder/oposiçãozinha, com uns pozinhos de per-lim-pin-pim de três aves raras que sustentam o situacionismo. Não reclame, porque a culpa é sua. E minha, também. Nossa.
Não quero matar a esperança de futuro a ninguém, mas o actual estado de coisas é o de uma Autonomia moribunda. Ou mudamos ou “morremos” a breve prazo. Que cada um escolha de que lado, desta estória triste, quer ficar.
3. Mas não desesperem. Podemos sempre travar e mudar. É uma das vantagens de vivermos em democracia e com alguma liberdade.
Se há coisa que a pandemia vem provar, como se houvesse necessidade disso, é que a Madeira está confrontada com sérios problemas de vulnerabilidade socioeconómica, de insularidade e de dependência em relação ao exterior, ditados não só pela sua limitada capacidade económica, mas sobretudo pela adopção de um inadequado modelo de desenvolvimento, que gerou, inevitavelmente e intencionalmente, uma excessiva subordinação de praticamente todas as áreas sociais e económicas ao Governo Regional.
Esta realidade gerou, junto da generalidade da população, uma falsa expectativa sobre a capacidade do Governo para resolver todo e qualquer problema económico que surja.
O que temos, ao fim de 40 anos, é uma Autonomia de mão estendida. Somos dependentes e, se o somos, a autonomia fica cambada.
Sou dos que acreditam que as crises podem ser oportunidades. O período que atravessamos deve ser visto como o momento de podermos avançar para um modelo de sistema fiscal próprio, com fiscalidade reduzida, de modo a ser atractivo a empresas do mundo inteiro. Um sistema altamente fiscalizado na sua legalidade, de modo a que os caminhos da burla, da lavagem de dinheiro, da ilegalidade não sejam trilhados. A Madeira tem todas as condições para isso, criando um modelo exemplar que nos proporcione emprego e riqueza. A par do turismo e da economia do mar, este seria o outro ramo de um modelo económico que nos permitiria alavancar a nossa qualidade de vida, sem dependências de terceiros.
4. Tenho para mim que Pedro Calado, não sendo a última coca-cola no deserto, é o melhor activo do Governo Regional. Quase me atreveria a dizer que é quase o único activo. Reconheço-lhe alguma competência, embora pense que, os caminhos que trilha, não são os mais adequados ao momento que vivemos.
Já aqui o disse, e por várias vezes, que tenho da política a ideia de compromisso, de cordialidade, de respeito. Não tenho nada contra políticos que se zangam. Que, quando chateados, intervêm com a dinâmica a que isso induz. Não gosto, mesmo nada, de políticos que se irritam e que o demonstram.
Anda muito irritado o Vice, conforme se viu na passada 3ª feira na ALRM. Tem razões para isso uma vez que, cada vez mais, fica a ideia de que é sobre si que cai tudo o que tem a ver com a governação regional. A culpa é dele, uma vez que foi assim que o quis. Faz o que lhe compete e o que não lhe incumbe. Faz o seu trabalho e as tarefas dos outros. Avança aqui, trava ali, emperra acolá, tudo controlando como um pequeno “faz-tudo que não deixa ninguém fazer nada”. Por algum lado tem de descarregar, mesmo que não tenha razão, mesmo que a irritação o descontrole. É humano. Principalmente, porque Calado não é um político com muito jeito para a coisa.
5. Aquela linha de apoio apresentada, com pompa e circunstância, pelo Secretário Regional da Economia, não ata nem desata.
Resumindo, e a ver se estou a perceber “a coisa”: Rui Barreto fez um “projecto”, em cima do joelho, apoiado num PowerPoint cheio de boas intenções. Mas quem manda é o IDR, que depende da Vice-presidência, e é por aí que passa a libertação dos créditos bancários.
O que parece é que o IDR, de Calado, tratou de arranjar uma série de empecilhos, como bom burocrata que é, para mostrar quem manda.
Depois, o Vice, vai para a ALRM em tom muito irritado cramar da falta de solidariedade do Governo da República, quando nem com um colega de governação consegue que um seu serviço seja solidário...
É isto?
6. Segundo o n.º 2 do Despacho Conjunto n.º64/2020 da Vice-Presidência e da Secretaria da Saúde, na sua alínea d), estão dispensados de fazer teste ao COVID 19, “pessoas que tenham partido dos Aeroportos da RAM, e o cujo regresso à RAM ocorra num período até 72 horas”.
Quer dizer, se eu for hoje de manhã a Lisboa e regressar na 4.ª feira à tarde não preciso de testar, certo? Vou a Lisboa, faço a minha vida, estou com pessoas, sociabilizo, apanho um avião e venho para casa. Chego, e fico dispensado de fazer o teste pois estive, menos de 72 horas, ausente do arquipélago.
Não percebo isto, mas não me considero burro e se houver explicação, agradecia.
Pelo sim pelo não, a resposta a isto é óbvia: ou não se permitem deslocações curtas, ou, ao fazê-lo, obriga-se a testar 72 horas depois da chegada. Até lá, confinamento.
Houve quem me dissesse que tem a ver com o reconheço do futebol na próxima semana, mas não quero acreditar.
7. Podemos ir ao futebol ver um jogo? Não. Podemos ir ao cinema ver um filme? Podemos. Podemos ir a um arraial? Não. Podemos ir a uma discoteca? Podemos. Podemos ir ao Alive? Não. Podemos ir à Festa do Avante? Podemos.
Que tal um pouco de coerência? É que é difícil viver assim.
8. O dos afectos, selfies, mergulhos e afins esclareceu aquilo que Costa persistia em gaguejar. Afinal, uma entidade promotora que defina um evento como sendo político, este pode realizar-se. Escancara, assim, a possibilidade do PCP realizar a Festa do Avante na Atalaia.
Isto é tudo muito estranho. Toda a gente sabe que Marcelo Rebelo de Sousa é hipocondríaco, até o próprio. Ter a mania das doenças não passa com um comprimido.
Para além destas, há as outras. Nos últimos dias é vê-lo, com um enorme à vontade, em todo o lado como se, de um dia para o outro, nada se tivesse passado. Do restaurante à livraria, da praia ao café, passando pela missa. Pergunto-me se ele sabe de alguma coisa que nós não sabemos...