1º de Maio, triste desilusão!
- Pelo teu andar desalentado, vejo que tiveste um 1º de Maio estragado.
- Estragado é um elogio. Foi um 1º de Maio como nunca ninguém viu.
- Mas tinhas algum plano delineado e saiu-te furado?
- Todos os anos, nesse dia, mal amanhecia, (às vezes, nem o sol ainda aparecia) eu levantava-me, banhava-me e corria para a cozinha mais veloz do que uma andorinha.
- E tinha que ser assim tão rápido e tão de manhazinha?
- O dia costumava ser tão especial, tão amoroso, que tínhamos de aproveitá-lo no seu todo.
Preparava o farnel, ia buscar a minha namorada, lá num dos sítios da Ribeira Brava, e íamos passar o dia para a Encumeada.
- Pois, se ela é de lá e tu de cá, com a proibição de livre circulação nos diferentes Concelhos pelo Governo decidido, já imagino a tua aflição, meu amigo.
- Tu imaginas a minha aflição e tens razão, mas por mais que possas imaginar não consegues avaliar, com precisão exata, o que é não passar aquele dia com a nossa namorada.
- Pelas tuas palavras, já nem digo nada.
- Levávamos o nosso farnel, procurávamos um cantinho isolado e entre os arbustos e o chilrear dos pássaros, estendíamos a nossa toalha de papel, dispúnhamos os alimentos, ali no chão, a granel, e só com a companhia de Deus, Nosso Senhor, lá comíamos com todo o carinho e amor.
- Com a tua explicação já vou dando mais valor à tua desilusão.
- Depois dormíamos, enquanto fazíamos a digestão. Acordávamos, “ saltávamos à laje” como manda a nossa tradição e só quando a noite se aproximava é que voltávamos para casa, com a alegria no rosto estampada e alivio no coração.
- Era, digamos, um dia romântico que, este ano, perdeu o seu encanto?
- O encanto e... tudo o mais que nem te conto nem te digo, meu caro amigo.
- E quando pensas compensar ou recuperar o que perdeste agora?
- Sei lá. Pelos vistos, só quando esse maldito vírus for embora!
- Isso é ruim, não podes pensar assim. Fala com a tua namorada, decidem uma nova data, depois criam um ambiente envolvente e fazem de conta que estão a viver um 1º de Maio diferente.
- Tens razão. Podemos levar na mesma o farnel, a toalha e os guardanapos de papel e o que menos falta são lugares isolados, com arbustos bonitos e diferenciados, e onde só se ouve o chilrear dos pássaros.
- Claro. Não podemos deixar que um vírus, por muito mau que seja, nos impeça de viver ou de ter algo que se deseja.