Manifesto em defesa da cultura entregue hoje com quase 250 assinaturas
Um grupo de artistas, escritores, músicos e outros agentes culturais entrega hoje aos órgãos de soberania um manifesto em defesa de um lugar prioritário para a cultura na sociedade, que reuniu 243 assinaturas em pouco mais de uma semana.
Alice Vieira, António Victorino d’Almeida, Bela Silva, Carlos Seixas, Joana Bértholo, João Tordo, Maria do Céu Guerra, Maria Teresa Horta e Mário Zambujal estão entre os mais de 30 artistas que subscrevem o manifesto “A cultura na resposta à crise”, iniciativa da escritora Ana Filomena Amaral, lançada a 22 de março.
Desde então, muitos outros se juntaram, como a professora universitária e poeta Margarida Vale de Gato, a atriz Maria João Luís, a escritora Patrícia Portela, o ator e produtor André Gago e a deputada Joacine Katar Moreira.
Além de músicos, pintores, atores, escritores, bailarinos e artistas de circo, aderiram a esta iniciativa muitos outros intervenientes na atividade artística, como encenadores, curadores, coreógrafos, programadores e gestores culturais, além de muitos anónimos que se quiseram juntar.
O contexto é a pandemia de covid-19 e o mês de abril, símbolo da liberdade, serve de mote para esta iniciativa, através da qual agentes culturais das mais diversas áreas decidiram “vincar publicamente o papel fundamental que cabe - deve caber - às diferentes formas de arte e cultura na resposta à crise”, lê-se no documento.
Até domingo, o manifesto esteve aberto a quem quisesse assiná-lo e hoje será enviado aos presidentes da República e da Assembleia da República, aos grupos parlamentares e à ministra da Cultura, por ‘e-mail’, explica Ana Filomena Amaral, a proponente do manifesto, residente em Coimbra e que, devido às contingências impostas pela covid-19, não se deslocará a Lisboa para entregar o documento pessoalmente.
“O objetivo fundamental é que, no cenário pós pandemia, a cultura não seja esquecida e que a tratem como prioritária, em paralelo com as outras áreas da sociedade”, disse à Lusa.
Com esta iniciativa, pretende-se que “a cultura ocupe o lugar que lhe cabe, como até hoje nunca teve, essencial no contexto de uma crise que vai obrigar a redefinir e a repensar a nossa forma de ser e estar no futuro”, acrescentou a escritora.
O manifesto começa por assinalar que a Humanidade enfrenta uma pandemia com efeitos devastadores, com consequências visíveis em todos os países, em todas as sociedades e em todas as áreas da existência coletiva, como a saúde, a economia e a cultura.
Por isso, defende a necessidade de o país reagir e se reerguer, reconstruindo um mundo “mais justo e mais solidário, em que a Humanidade se reaproxime da Natureza”, e em que “a cultura seja valorizada”.
“É nestas alturas e depois na reversão da crise que a cultura tem uma importância central na vida das sociedades”, afirma o texto.
O manifesto questiona como passam os portugueses o tempo durante o confinamento, para de seguida responder que são o cinema, a literatura, a música, o teatro, a dança, o circo, as artes plásticas e outras expressões culturais que “assumem um papel insubstituível no dia-a-dia das pessoas, mesmo que através da rádio, da televisão e da internet”.
“Assim deverá ser igualmente depois da tempestade que varre o mundo”, preconiza o documento, lembrando que quando o corpo está “frágil”, é o espírito que “precisa de estar forte para o sustentar e ajudar a não sucumbir”.
Os artistas que assinam o manifesto deixaram algumas palavras que vincam publicamente “o papel fundamental que cabe - deve caber - às diferentes formas de arte e cultura na resposta à crise”.
O pianista Adriano Jordão, por exemplo, afirma que “a cultura é a alma de toda a comunidade”, enquanto a escritora Alice Vieira recorda Churchill e as suas palavras, na II Guerra Mundial, quando lhe propuseram cortar o financiamento da cultura, para contribuir para o esforço de guerra: “Se cortássemos na cultura, então por que é que estaríamos a lutar?”.
Para os escritores Mário Zambujal e Rui Zink, “a cultura é como a manteiga no pão” e um dos seus azares “é ser como respirar: tão essencial, que mal lhe damos valor”.
Mais pragmático, o poeta António Carlos Cortez defende que “mais do que nunca, cabe a quem decide políticas de educação e cultura exigir, no orçamento do Estado, e exigir à própria Europa comunitária, no contexto dos planos de recuperação financeira e económica que se avizinham, um incentivo claro para que as atividades culturais não morram”.
“São milhares de empregos que estão em causa. É a própria identidade europeia que está em causa. É a sanidade coletiva que o exige e o direito a vivermos livres”, acrescenta Cortez, corroborado pela escritora e dramaturga Joana Bértholo, que lembra que “detrás de cada livro há uma multidão de pessoas dedicadas: autores, editores, revisores, tradutores, paginadores, gráficos, livreiros, bibliotecários, técnicos, distribuidores, promotores, programadores e críticos. O mesmo se passa com cada concerto, peça de teatro, de dança ou filme”.
Para a pintora Gracinda Candeias, “a cultura é também um bem de primeira necessidade” e justifica-o com o atual contexto de confinamento, desafiando as pessoas a imaginarem o que seria passar por isto sem terem acesso a todas as formas de arte e expressões artísticas que hoje estão disponíveis.
Num registo mais esperançoso, o poeta e ensaísta Nuno Júdice escreve: “E talvez, quando sairmos disto, possamos sair com as respostas que nos foram dadas pelo que lemos, pelo que ouvimos, pelo que vimos num poema, num romance, num plano de filme, numa réplica teatral, numa canção ou numa peça musical. Se for isso que levarmos para a liberdade plena, quando ela surgir, não teremos perdido tudo neste isolamento”.