Líder do G20 desafia credores privados a participar no ‘perdão’ de dívida
O ministro das Finanças da Arábia Saudita e presidente em exercício do G20 defendeu hoje num artigo de opinião no Financial Times que os credores privados devem aceitar uma suspensão do pagamento da dívida dos países mais pobres.
“O impacto do novo coronavírus nas nações em desenvolvimento com sistemas de saúde mais frágeis e economias menos capazes pode ser devastador”, argumentou Mohammed Al-Jadaan, num artigo de opinião publicado no influente jornal económico britânico, no qual lembra que as Nações Unidas estimam que só em África o vírus possa matar 300 mil pessoas e que o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o continente precise de 114 mil milhões de dólares [104,2 mil milhões de euros] para gastar na saúde só este ano.
“É por isso que o G20 aprovou uma suspensão dos pagamentos da dívida para 77 países mais pobres, incluindo todos aqueles elegíveis ao abrigo dos critérios da Associação para o Desenvolvimento Internacional; todos os credores oficiais bilaterais estão a participar neste iniciativa, e os bancos de desenvolvimento multilaterais são encorajados a juntarem-se, e os credores privados deviam fazer a coisa correta e juntarem-se também”, defendeu o ministro das Finanças saudita.
“São devidos 18 mil milhões de dólares [16,4 mil milhões de euros] às instituições financeiras privadas, ou 40% dos pagamentos de dívida soberana dos países mais pobres este ano”, acrescentou o governante, vincando que “se estes credores estiverem disponíveis para aceitar uma suspensão de mesmo metade deste valor, isso faria com 9 mil milhões de dólares [8,2 mil milhões de euros] estivessem disponíveis para estes países lideram com o impacto da covid-19, enquanto cada nação negoceia os termos individuais relativamente às suas dívidas”.
Ainda de acordo com o texto, que cita as conclusões da reunião de quinta-feira no Instituto Financeiro Internacional (IFI), “os credores privados indicaram ao G20 que estão a considerar seriamente uma suspensão da dívida, e nós encorajamo-los a cumprirem essas intenções mais cedo do que tarde”.
Enquanto líderes governamentais, concluiu o ministro saudita, “isto tem de ser voluntário” e deve-se “evitar impor o que quer que seja aos investidores privados, já que isso pode distorcer os mercados e limitar a oferta futura por dívida dos mercados emergentes por parte do setor privado”.
A questão da dívida pública dos mercados emergentes, nomeadamente os africanos, tem sido apontada como uma das questões essenciais para a resolução da propagação da pandemia neste populoso continente, que enfrenta uma crise económica e sanitária devido à covid-19.
O G20 já tinha anunciado há três semanas a suspensão dos pagamentos de cerca de 20 mil milhões de dólares, cerca de 18,2 mil milhões de euros, devidos pelos países mais pobres este ano em juros sobre a dívida, nomeadamente para os países africanos.
O FMI adiou a receção dos pagamentos da dívida que os países tinham ao Fundo, e o Banco Africano de Desenvolvimento disponibilizou 10 mil milhões de dólares, ou 9,1 mil milhões de euros, para ajudar os governos do continente.
O IFI, associação que representa os credores da dívida a nível mundial, estimou no início deste mês que a dívida soberana e os juros dos empréstimos contraídos pelos países em desenvolvimento e dos mais pobres a pagar este ano rondaria os 140 mil milhões de dólares (127,8 mil milhões de euros).
Os países em desenvolvimento enfrentam um duplo desafio de financiar os cuidados de saúde necessários para combater a pandemia da covid-19 e, ao mesmo tempo, lidar com as consequências do confinamento, que afundou as economias que já de si estavam fragilizadas no seguimento da descida dos preços das matérias-primas.
De acordo com a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), que os países em desenvolvimento terão de pagar entre 2 a 2,3 biliões de dólares em dívidas só neste e no próximo ano.
Os países em desenvolvimento vão “bater numa parede de dívida durante esta década, e num contexto de circunstâncias profundamente problemáticas”, porque só neste e no próximo ano os países em desenvolvimento de alto rendimento terão em dívida 2 a 2,3 biliões de dólares [1,8 biliões a 2,1 biliões de euros], e os de médio ou baixo rendimento deverão 700 mil milhões de dólares a 1,1 biliões de dólares [646 mil milhões de euros a 1 bilião de euros].