Sector cultural em França passa “Verão do silêncio” devido à pandemia
Teatro, música ou festivais continuam à espera de medidas concretas de apoio em França, após quase três meses de paragem e sem retorno à vista, alegando que promessas do Presidente para um plano de ajuda não passaram do papel.
“É o verão do silêncio. Em França e em todo o lado. A dificuldade de um festival face a uma digressão é que os concertos podem adiar-se, mas o festival tem um período certo. [...] Para os festivais e para a cultura em geral, esta situação é uma catástrofe total”, afirmou Fernando Ladeiro Marques, português radicado em França desde a infância, e que é diretor do Festival MaMa, em Paris, em declarações à agência Lusa.
Devido às interdições decretadas na sequência da pandemia da covid-19 em França, desde março que todas as áreas da cultura estão paradas, uma situação inédita num país que vive do seu setor cultural.
Após protestos de várias figuras públicas devido à precariedade em que muitos artistas e profissionais do espectáculo se encontram, Emmanuel Macron, Presidente francês, anunciou no início de maio um plano para permitir a estes profissionais ultrapassarem um “ano branco” sem trabalho e benefícios até 2021, mas sem verbas concretas.
“Espero que haja um plano para a Cultura porque o que faz ainda hoje a força da França, que é considera uma potência mundial, já vimos que não é a economia. Se ainda é conhecida assim é graças à Cultura”, indicou José Cruz, ator de origem portuguesa e que, devido à pandemia, teve de adiar mais de 10 datas da digressão do seu espectáculo, que ia passar por toda a França.
A cultura emprega mais de 600 mil pessoas no país e representa 2,3% do PIB. Nos anúncios do Presidente, apenas um número: 50 milhões de euros para o Centro Nacional da Música. Um número longe dos 18 mil milhões prometidos ao turismo, que contribui com 7,2% para o PIB, ou dos apoios à indústria automóvel.
“A cultura traz mais dinheiro a França do que a indústria automóvel. É incrível, mas é a realidade. O facto de não haver festivais das várias artes cria um choque económico muito grande, mas também social. As pessoas estão habituadas a ir a estes sítios. Os teatros em Paris estão sempre cheios”, reforçou Fernando Ladeiro Marques.
O choque do afastamento dos palcos tem levado a “uma angústia” no setor que impede muitas vezes uma projeção para além dos tempos de pandemia.
“Não conseguir antecipar o encontro com o público é algo muito difícil. [...] Imaginar o público com máscaras e espalhado numa sala a mim não me dá gosto nenhum. Nem me consigo projetar. É uma situação que me traz alguma angústia”, confessou Alain Paulo, cantor e compositor de origem portuguesa, que adotou o nome artístico de Sou Alam.
Ansiando também o regresso aos palcos dentro da normalidade, José Cruz passou os meses de confinamento a investir em conteúdos para as redes sociais gravando vídeos humorísticos e outros em que explica algumas particularidades de Portugal em francês. O seu vídeo sobre a saudade já vai com mais de 800 mil visualizações.
“Enquanto não puder ir aos palcos, a ideia é divulgar cada vez mais vídeos e trabalhar cada vez mais numa realização profissional. Investi em material profissional e estou a montar uma equipa dedicada ao audiovisual”, explicou o ator.
José Cruz preferiu reembolsar todos os bilhetes para as datas marcadas e conseguiu recuperar a maior parte do dinheiro de viagens e deslocações, tendo remarcado salas a partir de setembro. Teme agora que muitas salas por onde tem passado venham a fechar.
“O impacto foi muito forte e muito difícil. Um teatro tem custos fixos. Tenho amigos que dirigem teatros e um teatro com 120 lugares custa 18 mil euros por mês, é um valor que não pode baixar”, indicou.
Para além de algumas datas anuladas no verão, Sou Alam tinha uma residência artística marcada para o final do verão no 360 Paris Music Factory, na capital francesa. “Também foi anulada. Tudo o que estava ligado a subvenções públicas e dependia de comissões, foi anulado”, contou.
Para já, a edição deste ano do MaMa, que reúne 6.000 profissionais do setor da música com conferências e concertos, em Paris, mantém-se, já que só se realiza em outubro.
“Vamos propor medidas para que os concertos e as conferências possam acontecer. Vamos dar máscaras e vamos dar gel para que todos possam ter condições mínimas. Vamos ser o primeiro evento que vai permitir às pessoas do setor reunir-se, depois desta paragem, é um momento importante”, disse Fernando Ladeiro Marques.
O MaMa reúne cerca de 54 nacionalidades, mas este ano o organizador admite que será um evento “muito mais francês e, a nível estrangeiro, muito mais europeu”, devido a possíveis restrições a participantes vindos de fora do Espaço Schengen.
Ladeiro Marques é também um dos organizadores do MIL - Lisbon International Music Network, em Lisboa, cuja edição deste ano foi cancelada devido à imposição da quarentena. No entanto, o festival está a reinventar-se com conferências à distância.
A Sou Alam, cujo repertório inclui música de intervenção de José Afonso e música em mirandês, resta agora a esperança de poder realizar um recital à luz das velas, previsto para o início de agosto, perto de Miranda do Douro.
“Estamos à espera dos anúncios de França e Portugal para ver se esse concerto será possível”, sublinhou.
O primeiro-ministro francês anunciou na quinta-feira a abertura progressiva de museus, cinemas e salas de espectáculo, a partir de 2 junho, nas zonas menos atingidas pelo vírus e, a partir do dia 22, nas zonas mais afetadas, como a região parisiense.
Todos os eventos culturais e desportivos estão porém proibidos até 22 de junho.