Proteger a criança; intervir na família
Sempre que ocorrem crimes hediondos como aquele que aconteceu, recentemente, na freguesia da Atouguia da Baleia, há quem justifique a atrocidade e a falta de vínculo parental dizendo que é por causa dos novos paradigmas de família, que substituiu o conceito ideal e tradicional.
Se é verdade que muitas crianças nascem sem terem sido planeadas ou desejadas, também é verdade que, normalmente, o vínculo de amor ocorre quando aqueles seres tão frágeis e saem do ventre materno e despertam imediatamente o nosso instinto de proteção.
Mas nem todas as crianças são bem acolhidas nas famílias como desejável e expectável. Cuidar e educar uma criança é um ato de amor, mas implica uma grande disponibilidade e responsabilidade, constatável quando a temos ao nosso cuidado.
Aquilo que é um ato de amor ou de paixão, pode transformar-se numa experiência de responsabilidade por tempo indeterminado. Também não me parece aceitável que se romantize o conceito de família tradicional, panaceia para todos os males. Não é o modelo de família que determina o nível de segurança de uma criança ou jovem. Sempre houve o fenómeno da violência de todas as formas dentro da família. Mas antes era consentida ou contemporizada.
Não foi por acaso que, em 1999, o Estado decidiu criar uma legislação de proteção de crianças e jovens em perigo. E o perigo está sobretudo no seio familiar. Não obstante se ter dado passos significativos para cumprir o objetivo da lei, não impede que muito ainda esteja por fazer no sentido de uma maior eficácia na proteção.
Desde logo, a sinalização deve feita em complementaridade envolvendo diversos profissionais, como educadores, professores, enfermeiros, médicos, agentes de autoridade, procurando acolher o contributo das diversas áreas do conhecimento. Paralelamente, a abordagem terapêutica deve ser global e contextualizada, procurando a transformação de toda a célula familiar e não apenas intervir na criança, pois isso compromete o sucesso, à partida, da medida de proteção. Não esqueçamos que se o seio familiar é um contexto que não garante proteção e segurança, faz sentido que se intervenha junto dela. Por isso, há muito tempo que defendo que as comissões de proteção e crianças e jovens devem ser alargadas e passar a comissões de proteção à família.
As crianças são o melhor do mundo, mas não esqueçamos que todo o adulto já foi criança.