Tribunal da Relação de Lisboa aceita afastamento de juiz Paulo Registo do caso Football Leaks
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) aceitou o pedido de escusa apresentado pelo juiz Paulo Registo, a quem foi distribuído o processo de Rui Pinto, criador do Football Leaks.
No acórdão do TRL, proferido na terça-feira e a que a agência Lusa teve hoje acesso, os juízes desembargadores Alda Casimiro, Anabela Cardoso e Cid Geraldo “acordam em deferir o pedido de escusa [afastamento], dispensando o dr. José Paulo Abrantes Registo de tramitar e proceder ao julgamento” do processo, por estar em causa a equidistância e a imparcialidade do juiz, que manifestou uma atitude “notoriamente jocosa” com Rui Pinto e com a ex-eurodeputada Ana Gomes, que sempre defendeu o criador do Football Leaks.
O juiz (a quem foi distribuído informaticamente o processo) apresentou há pouco mais de um mês um pedido de “escusa de intervir na tramitação e julgamento, por existir suspeita sobre a sua imparcialidade”, depois de surgirem notícias, fotografias e publicações nas redes sociais do magistrado a dar conta da sua ligação afectiva ao Benfica.
No pedido de escusa, embora refira que têm sido reveladas fotografias e publicações nas redes sociais, susceptíveis de gerar desconfiança de que pode prejudicar os arguidos (Rui Pinto e o advogado Aníbal Pinto), o TRL vinca que o juiz “não especificou em concreto que fotografias e publicações estariam sob os holofotes da opinião pública”, frisando que tais elementos foram trazidos aos autos pela defesa de Rui Pinto no pedido de recusa (de afastamento do juiz), apresentado após conhecimento do pedido de escusa.
Os desembargadores não colocam em dúvida que o processo tenha sido “intencionalmente atribuído/distribuído” ao juiz Paulo Registo, mas ressalvam que “merecem uma análise mais detalhada as informações veiculadas na comunicação social e também nas redes sociais” de que o magistrado mantém ligações ao Benfica, “com revelação pública de diversas fotografias e também de publicações nas redes sociais”, geradoras de desconfiança de que pode prejudicar os arguidos.
Da documentação junta aos autos pela defesa de Rui Pinto consta que o juiz Paulo Registo é adepto e apoiante do Benfica e comenta arbitragens, nomeadamente em jogos contra o FC Porto. Os advogados Francisco e Luísa Teixeira da Mota acrescentam que o seu cliente é visto por muitos como tendo “atacado” o clube da Luz, nomeadamente nas revelações feitas através do blog ‘Mercado de Benfica’.
Nesta parte, os juízes desembargadores entendem que estas circunstâncias não têm “relevo suficiente para suscitar, por si só, duvidas sobre a imparcialidade do juiz”.
Coisa diferente são outras situações que a Relação de Lisboa destaca, como o facto de o juiz ter colocado um ‘gosto’ numa publicação nas redes sociais que se refere ao arguido como ‘Rui pirata Pinto a bisbilhotar’ e à ex-eurodeputada Ana Gomes (que tem publicamente ‘tomado partido’ pelas acções do arguido) como ‘Ana heroína Gomes a bradar aos quatro ventos’, assumindo relativamente a estas duas pessoas uma atitude “notoriamente jocosa”.
A mesma atitude, acrescenta o TRL, revela-se noutro ‘gosto’ de um ‘post’ que mostra um veículo automóvel que na matrícula ostenta ‘Porto’, dizendo que se trata da ‘bomba de Rui Pinto’.
“Ora, esta atitude, pública, porque evidenciada nas redes sociais, de que o Sr. Juiz requerente considera o arguido Rui Pinto um pirata ‘bisbilhoteiro’ que pode ser alvo de chacota, é susceptível de gerar suspeitas, a um cidadão médio, sobre a sua capacidade de se manter equidistante e imparcial”, sustenta o acórdão.
Os juízes desembargadores lembram que este processo “tem despertado grande interesse por parte de toda a comunidade, sendo de crucial importância para a prossecução da justiça e para a garantia da legitimidade do Estado de Direito no exercício da acção penal, que sejam tramitados de forma transparente e sem polémicas acrescidas”.
“Assim, sendo de admitir que, objectivamente, junto da comunidade onde o Ex.mo Juiz requerente exerce funções, pode ser contestada a sua imparcialidade para tramitar os autos e presidir ao colectivo do julgamento, ocorre legítimo fundamento para a escusa requerida”, concluiu o Tribunal da Relação de Lisboa.
Em janeiro deste ano, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu levar a julgamento o advogado Aníbal Pinto (apenas pelo crime de tentativa de extorsão à Doyen), e Rui Pinto, que está em prisão domiciliária, por 90 crimes de acesso ilegítimo, acesso indevido, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão, mas deixou cair 57 dos 147 crimes pelos quais o arguido havia sido acusado pelo Ministério Público.