Do medo e da boa governança
1. Um livro onde os protagonistas são as livrarias. Bertrand, no Chiado, Strand, de Nova Iorque, La Hune e Shakespeare and Company, em Paris, a Librairie de Colonnes de Tânger, City Lights, de São Francisco e muitas mais. “Livrarias”, de Jorge Carrión, é um livro sobre livros. Sobre onde os encontrar. Uma viagem pelo mundo, a celebrar lojas de livros e a degustar os seus conteúdos e ambientes.
2. Disco: ai o synth-pop, ai o synth-pop. Ando sempre à procura de coisas, dentro do género que não conheça. Sempre em busca do que de novo vai aparecendo. Uma descoberta muito simpática, no Bandcamp: Nation of Language e o seu “Introduction, Presence”, altamente recomendável.
3. Quanto maior for o medo que sentimos, mais assustador se torna o que vivemos. O medo faz parte de nós. É-nos intrínseco. Foi, também, pelo medo que evoluímos. Na história do desenvolvimento humano, o medo assume um papel de extrema importância. Se somos o que somos foi porque aprendemos a racionalizar o medo, a viver com ele. A pensá-lo e a extrair-lhe o modo menos doloroso de avançar.
Toda a nossa vida é feita de medos. De superação. Ser corajoso não é não ter medo. Ser corajoso é ter medo e conseguir viver com ele, de modo responsável. Responsabilidade e coragem andam de mãos dadas. Se assim não for, a coragem é só irresponsabilidade.
Não há nada de mal em sentir medo. Nem tão pouco isso representa um sinal de fraqueza. É normal. O inverso pode ser, mesmo, considerado um sinal de um qualquer dano psíquico grave.
Este tempo que vivemos é potenciador do medo. É esse medo que nos leva a ter os cuidados que estamos a ter no modo como nos relacionamos com os outros. O que é importante é que tentemos sempre racionalizar esse medo, usando a inteligência emocional para o fazer. Devemos ser nós a lidar com o medo e a não deixarmos que ele assuma as rédeas da nossa vida.
Diz o povo que “quem tem cu, tem medo”. Tenho ambos. E tento lidar com isso de maneira que, do melhor jeito que sei e posso, continue no controlo da gestão das minhas emoções, relacionamento com os outros, modo de estar e de viver.
Claro que sou afectado pela ansiedade e pelo stress de estar a viver uma situação em que pouco posso fazer para a ultrapassar com rapidez e sucesso. O peso da preocupação e da insegurança, vive-me no peito.
Se muitas das vezes as situações que vivemos nos induzem a um medo instintivo (dor, certos locais, susto, experiências passadas, etc.), este medo que sentimos em relação ao COVID19, foi-nos induzido. Induzido pelo modo como se lidou com o assunto, pela comunicação social (o excesso de informação cria, muitas vezes, dificuldade no processamento da mesma), pelas notícias falsas, pelo histerismo que constantemente vemos à nossa volta, pelo descontrolo das redes sociais, pelos 15 minutos de fama de qualquer idiota travestido de especialista, pela expressão nos olhos dos outros. O medo pega-se. O medo propaga-se como se de outro vírus se tratasse.
Muitas vezes, nem precisamos de estar em perigo para sentirmos medo. É como a saudade. Quantos sentimos saudades de coisas que nunca experienciámos? De momentos que não vivemos? De coisas que não temos? Costumo explicar, assim, aos meus amigos estrangeiros, o que é o sentir “saudade”, para um português. Com o medo, passa-se o mesmo: temos medo do que não vivemos, do desconhecido, do que não experimentámos. E, mais uma vez, não vem mal nenhum ao mundo, pelas coisas assim serem.
O problema, deste medo que sentimos, é que ele está a condicionar as nossas decisões, está a condicionar o nosso modo de ver as coisas. Por exemplo, tiram-nos liberdade (o nosso bem maior) e deixamos que isso aconteça. O medo que usam como justificação para essa retirada faz com que o aceitemos, quase de bom grado. Pelo medo, alguns apontam o dedo a tudo, tendo ou não tendo razão para o fazerem. Temos a tendência de nos tornarmos fiscais das decisões que o medo levou outros a tomarem por nós. Não estou a querer dizer com isto que essas decisões não deviam ter sido tomadas.
O que estamos a passar acontece porque não racionalizamos, porque não pensamos o medo, lidando com ele com a coragem que se impõe.
O futuro que se avizinha precisa, se queremos o sucesso e cada um de nós à sua maneira, que sejamos heróis. Heróis da nossa vida, pessoas conscientes de que não ultrapassaremos este momento se não formos pró-activos, se não lidarmos com o medo de frente.
Termos que ter a coragem de querer o futuro.
4. Quando soube daquela coisa do Carlos Pereira, que separo do CS Marítimo instituição que me merece todo o respeito, reconheço que fiquei com alguma preocupação.
Depois li os pontos principais do argumentário e sosseguei. Afinal, a “coisa” tem quase toda a ver com o esbulho de dinheiros públicos, de dinheiro de todos nós, que o Governo Regional distribui pelos clubes.
É o mesmo que a MacDonalds interpôr uma impugnação à Burguer King, o Benfica, outra, porque tem de dividir dinheiros das transmissões televisivas com outros clubes, o Naval do Funchal, porque existe o Naval do Seixal, etc.
Carlos Pereira quer criar um monopólio. Quer ser o único. Pensa que, secando tudo à sua volta como o eucalipto, é a forma correcta de se afirmar. Esquece-se de que o eucalipto quando arde, arde muito depressa.
Nem a questão da valorização de activos, emprestados a clubes da 2.ª Liga, cola. Imagine-se o que seria se outros clubes europeus, com jogadores emprestados, impugnassem o campeonato francês porque este não chegou ao fim. Ou o holandês. Ridículo. Para não lhe chamar outra coisa.
Se esquecermos a questão da mama dos fundos públicos, isto é um atentado à liberdade, à livre concorrência. É assim uma espécie de tentativa de fascismo desportivo.
5. Reprimir é fácil. É só proibir. Dizer que não. No Estado de Emergência, um decreto presidencial feito em três tempos, a modos que substituiu uma Constituição que demorou muito tempo a fazer e a aprimorar.
Para reprimir, basta elencar uma série de coisas que normalmente fazemos e que passam a ser proibidas ou fortemente restringidas.
Foi isso que aconteceu. Proibiu-se. Do sair de casa sem “necessidade” ao ajuntamento, do poder ir às compras sem destino até à venda de um simples café.
Que fique claro que não estou a contestar a necessidade do que foi feito.
A verdadeira capacidade de gestão desta enorme crise de saúde e da gigantesca crise económica que se avizinha, começa agora.
É um momento fundamental da vida de todos nós e não pode haver tibiezas. Não se pode dizer que o comércio abre, mas não se pode provar o que se quer comprar e, depois, vir dar o dito por não dito. Não se pode dizer de manhã que a venda de café está proibida e à tarde vir dizer o contrário. Não se pode assumir que se desconfina o sector da construção civil, informando que esses trabalhadores não fazem quarentena ao chegar ao Porto Santo, e depois desdizer o afirmado. Não se podem proibir as trocas de produtos comprados e depois dar um golpe de rins e vir dizer que afinal estas são permitidas mediante condições. Não se pode deixar andar a correr uma notícia que diz que todos os que chegam ao aeroporto terão que pagar pelo teste e depois, num primeiro momento, vir dizer que os residentes vão ter um desconto e, no fim do dia, anunciar que ninguém vai desembolsar nada por isso.
Lucidez, firmeza, cientificidade, de entre outras coisas é o que precisamos para fazer face ao que aí vem.