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O Festival Eurovisão da Inteligência Artificial

O Festival Eurovisão da Canção deste ano foi mais uma vitima colateral das restrições resultantes da pandemia. Em alternativa, foi oferecida aos telespectadores, no dia 16 de maio, o dia designado para a final, uma apresentação não competitiva das 41 canções que iam concorrer, enriquecida com alguns convidados do passado deste evento.

Mas correu em paralelo um verdadeiro concurso “míni-europeu”, que nasceu da ideia da emissora pública holandesa VPRO de utilizar inteligência artificial para ajudar a criar uma canção “hit” que pudesse concorrer neste Festival da Eurovisão. A emissora acabou por abrir o concurso nestes moldes a outros países interessados, e então foram treze equipas de países tais como a Alemanha, Suíça, França, Bélgica, Suécia, Austrália (presente na Eurovisão desde 2015) e a anfitriã Holanda que submeteram as suas canções, todas elas, em graus variáveis, “compostas” com a ajuda da inteligência artificial. A premissa foi simples: será que a inteligência artificial é capaz de compor algo do nível de recentes vencedores do Festival?

Para a IA poder “aprender”, “ouviu” e analisou grandes quantidades de música já existente antes de gerar ideias musicais com algum significado. Equipas compostas por músicos, artistas, cientistas e programadores exploraram o poder criativo da IA de várias maneiras e em vários graus de coexistência com a criatividade humana.

Os resultados foram avaliados pelo mesmo sistema de votação utilizado no Festival Eurovisão: houve um júri de peritos e uma votação popular. No dia 12 de maio foi então anunciada a canção vencedora que veio da...Austrália! A canção “Beautiful the World” da equipa australiana Uncanny Valley (em colaboração com o laboratório da Google em Sydney) conseguiu uma pontuação bastante equilibrada dos dois júris, e foi também o resultado de uma cooperação bastante equilibrada entre a IA e os humanos.

Primeiro, os humanos “treinaram” a IA utilizando o processo DDSP (differentiable digital signal processing), que integrou amostras de áudio, típicas da natureza australiana, tais como coalas, kookaburras (pássaros endémicos do continente, cuja vocalização ruidosa parece uma gargalhada) e demónios da Tasmânia (mais um animal com vocalização muito própria). Esta opção também teve uma forte mensagem social positiva, afirmando a capacidade da recuperação da natureza, depois de incêndios florestais devastadores, nos quais pereceram cerca de mil milhões de répteis, pássaros e mamíferos (sem contar outras espécies). A IA foi então “incumbida” de produzir o texto e a música, sendo que a interpretação a seguir ficou a cargo de humanos. O resultado definitivo (texto, música, vídeo) obteve um acolhimento muito positivo por parte do público online.

A experiência em si demonstrou uma variedade de maneiras de combinar as capacidades da IA com as humanas e permitiu vislumbrar o futuro deste tipo de colaboração. O júri era de opinião de que algumas das canções apresentadas bem podiam integrar o concurso oficial da Eurovisão.

A equipa francesa Algomus, que arrecadou o quarto lugar, talvez tenha conseguido expressar melhor o objetivo deste processo em si, indicando que a verdadeira criatividade requer um equilíbrio cuidadoso entre todos os elementos para poder despertar emoções.

Já a equipa alemã, Dadabots x Portrait XO, a segunda classificada, treinou a sua IA na música vocal dos anos 50 e, para gerar a música, utilizou uma coleção de redes neurais que assimilavam tudo desde as harmonias barrocas aos refrãos corais pop, implementando depois um processo tipo “caça e coleta”.

Felizmente, todas as indicações são de que – para já – os humanos não vão ficar deixados para trás e fora de controlo, pelo menos neste tipo de colaboração: a equipa (da Suíça) que apostou em deixar a IA à rédea solta ficou, convincentemente, em último lugar.

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