Novos protestos no Chile por falta de comida durante a pandemia
Dezenas de pessoas de bairros do sul da capital do Chile pediram hoje, nas ruas, ao Governo maior celeridade na entrega de alimentos e ajuda económica para que possam enfrentar a grave crise de desemprego por causa da covid-19.
Com cartazes com mensagens a indicar “Prefiro morrer de covid-19 do que de fome” ou “Se o vírus não nos mata, mata-nos a fome”, os manifestantes ergueram barricadas com pneus e com lixo para cortar o tráfego rodoviário, enquanto outros batiam em tachos e panelas.
“Cerca de 90% dos nossos vizinhos [nos bairros de Puente Alto e La Pintana, a sul de Santiago do Chile] está sem trabalho”, disse uma jovem ao canal de televisão local 24 Horas.
“Nós não nos podemos fechar e ficar em casa no setor oriente (a zona mais rica da capital chilena). Eles têm os frigoríficos cheios, as arcas congeladoras cheias com carne, mas nós não temos esses recursos e vivemos o dia-a-dia”, acrescentou outra mulher ao 24 Horas.
Ao contrário dos protesto que se realizaram há alguns dias na localidade vizinha de El Bosque, que se saldaram com cerca de duas dezenas de detidos e graves confrontos entre manifestantes e a polícia, as marchas em Puente Alto e La Pintana decorreram na grande maioria de forma pacífica, tendo, porém, sido detidas duas pessoas, segundo a polícia.
O mesmo tempo, o Governo aprovou hoje uma lei, após um processo legislativo acelerado devido à pandemia do novo coronavírus, que prevê uma diminuição nos salários do Presidente, dos ministros e dos deputados
“Vivemos tempos difíceis e seu que numerosas famílias chilenas atravessam um momento complicado, pelo que nos parece justo e necessário reduzir os salários mais elevados da administração do Estado, para poder desbloquear uma ajuda importante e com destino à classe média e às pessoas que mais necessitam”, declarou o Presidente chileno, o conservador Sebastian Piñera.
A lei, que estava em discussão há seis anos, prevê também a criação de uma comissão técnica que fixará periodicamente os salários das altas autoridades governamentais e dos respetivos conselheiros, “segundo critérios técnicos, objetivos e de austeridade”, precisou Piñeda.
As remunerações dos deputados chilenos são dos mais elevados do mundo, uma vez que o salário bruto atinge os 11.500 dólares (9.600 euros), acrescentados por complementos salariais de um montante equivalente. O salário mínimo no Chile é de cerca de 350 euros.
A paragem da atividade económica devido à crise sanitária, que já infetou cerca de 74.000 pessoas e 761 óbitos desde 03 de março, destruiu entre março e abril perto de meio milhão de empregos no país, enquanto milhares de outras pessoas que tinham trabalhos no setor informal ficaram sem qualquer rendimento.
O Banco Central chileno estima que o Produto Interno Bruto (PIB) irá contrair-se 2,5% este ano, embora as organizações financeiras internacionais situem a queda nos 4%.
A Comissão Económica para a América Latina e Caribe (CEPAL), das Nações Unidas, calcula que a pobreza no Chile poderá passar dos 9,8% registados em 2019 para os 13,7% em 2020.
O Governo anunciou um pacote de medidas para os mais vulneráveis, que inclui a repartição de 2,5 milhões de cabazes alimentares e de produtos de higiene, bem como um rendimento básico ao longo de três meses, mas os habitantes dos bairros do sul de Santiago queixam-se que essa ajuda tarda em chegar e que é insuficiente.
“Somos oito pessoas na minha casa. Como vamos sobreviver com um cabaz de alimentos em que só há um litro de leite e um quilograma de arroz?”, perguntou outro habitante local à televisão 24 Horas.
O Chile, que conta com cerca de 18 milhões de habitantes, está sob o estado de emergência, com recolher obrigatório noturno, estando as escolas, universidades e fronteiras encerradas e com cerca de sete milhões de pessoas confinadas na capital há duas semanas.
A maioria dos estabelecimentos comerciais, com exceção dos que comercializam produtos alimentares, também está encerrada.
Hoje, o Chile registou um novo recorde de casos de contágio diários, atingindo nas últimas 24 horas 4.895 infetados, o que eleva para 73.997 o total de doentes, enquanto reportou 43 novos óbitos, subindo para 761.
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou quase 345 mil mortos e infetou mais de 5,4 milhões de pessoas em 196 países e territórios. Mais de 2,1 milhões de doentes foram considerados curados.