Procurar a verdade é obrigação colectiva
Hoje é o Dia Mundial das Comunicações Sociais e de reafirmar pactos
Permitam-me que me afaste das trapalhadas da política regional, da paródia ensaiada e do folclore habitual. Uma hipotética candidatura a Belém de Miguel Albuquerque e a probabilidade de eleições regionais antecipadas não são especulações jornalísticas, mesmo sendo matérias efémeras que, na prática, dependem daquilo que será decidido nos próximos dias na Assembleia da República. Daí que seja no mínimo incompreensível que as cabeças pensantes da coligação insular considerem “inócuas” as garantias do Presidente da República quando diz que “tomou conhecimento das vias possíveis, por votação parlamentar, para resolver uma questão muito importante para os Madeirenses e, portanto, para todos os Portugueses, através de alterações à Lei das Finanças Regionais e ao Orçamento do Estado”. Não é isso que está em causa ou haverá já outra narrativa, entretanto engendrada para dar cabo de alianças ditas sólidas e de um cenário político pouco atractivo?
Permitam-me que ignore as quezílias dos quadrados da bola que fazem descer vertiginosamente o nível minimamente aceitável num mundo por si só habitualmente pouco dado à elevação. Não deve a rivalidade entre clubes permitir a inveja e o insulto. Não deve gente mal formada contribuir para que os amuos domésticos se sobreponham ao essencial. Não deve o futebol conspurcar a verdade desportiva, ainda por cima com argumentação falaciosa e realidades ficcionadas. E não deve quem vive do erário andar permanentemente a cuspir no caldo que lhe garante a existência e o palco.
Permitam-me que não teça considerações sobre os discutíveis critérios da distribuição pelas empresas de comunicação social da publicidade institucional do Estado no valor de 15 milhões de euros. Somos parte interessada e quem vai a jogo tem que estar preparado para aceitar o resultado final. E 20 mil euros é bem melhor do que nada. Só quem não sabe a dimensão dos obstáculos que se avizinham é que não dá valor à generosidade, venha ela de onde vier.
Permitam-me que não me pronuncie sobre o desconfinamento apressado, nem sempre respeitando o distanciamento social e as regras da higiene. Ter a situação controlada e enfatizá-la até à exaustão criou a perigosa sensação que, apesar de tesos e sem turismo no horizonte mais próximo, vivemos no paraíso, em duas ilhas em que o bicho não entra e não se mexe há mais de 17 de dias. Por isso, vale quase tudo.
Permitam-me que não teça muitos comentários sobre os avanços e recuos do executivo madeirense no que concerne às quarentenas obrigatórias e aos testes à covid-19 à chegada. Está-lhe no sangue ser inconstante, mas este é um tempo novo, de incertezas e de decisões nem sempre assertivas ou devidamente ponderadas. Quem decide deve ter margem para ziguezaguear, mas no dia em que chegar a factura convém pagar a tempo e horas, sem culpar quem nunca foi chamado a dar opinião ou quem teve coragem de, em tempo útil, alertar para os perigos dos exageros e dos caprichos.
Permitam-me que não disserte longamente sobre a política de comunicação do governo regional que aproveitou o facto de em certa altura nos mandar ficar em casa para agora não nos chamar para quase nada ou de só convocar quem interessa para cultivar a imagem. Pode dar um jeitão, a quem não quer ser incomodado com perguntas, programar actividades sem a comunicação social saber e fazer-se acompanhar apenas da comitiva oficial e dos fiéis assessores. Saiba quem assim procede que hoje há muitas formas de escrutinar opções e de denunciar abusos.
Permitam-me apenas que lembre que hoje é o Dia Mundial das Comunicações Sociais, com o Papa a deixar uma mensagem, escrita em Janeiro, em que nos desafia a contar histórias feitas de gente e a fazer reportagens com rosto e assinatura. A credibilidade, que é o nosso maior bem, depende muito dessa capacidade de retratar os factos de forma autêntica. A realidade ganha um outro esplendor se for inquestionável e, para sê-lo, o pacto com a verdade não pode ser atraiçoado por quem quer que seja.
As histórias têm que ser menos das coisas e mais das pessoas. Nesse contexto, agradeço ao Papa Francisco por ter rezado por nós jornalistas. Neste tempo de pandemia, também corremos alguns riscos e trabalhamos muito. Procurar a verdade exige sempre esforço acrescido que deve ser colectivo. Porque temos que fazer o que nos cabe e não raras vezes emendar o que outros fizeram mal. Porque não nos podemos satisfazer com óbvio. Porque temos que ser transparentes em cada instante.
Registo ainda que, através da sua conta no Twitter, o Papa tenha assinalado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, afirmando que “na crise actual, precisamos de um jornalismo livre a serviço de todas as pessoas, especialmente daquelas que não têm voz; um jornalismo comprometido na busca da verdade e que abra caminhos de comunhão e de paz”.
Não somos heróis, eme estamos ao nível dos médicos, dos enfermeiros e de todos os profissionais de saúde, mas evitamos que a estes chegassem muitos mais doentes. Estivemos e continuamos a estar numa linha que, não sendo da frente, também salva vidas de diferentes maneiras, difundindo notícias, lançando apelos, promovendo a partilha, suscitando debate, escrutinando os decisores e estando por perto dos que vivem nas margens da sociedade. Temos feito um trabalho de proximidade para que, melhor informados, os cidadãos possam combater o vírus com as armas disponíveis e enfrentar os novos tempos com a esperança necessária e redentora. E não, não vou para Roma, mesmo que esse seja o sonho de alguns!