Sobre a Vida e a Obra do Bispo Vieira Pinto de Nampula
Cheguei a Nampula, poucos dias antes da expulsão do Bispo , por ordens da PIDE em 14 de Abril de 1974,mas tinha conhecimento do seu trabalho
Tive um encontro com o Nhocas, troquei informações sobre os acontecimentos das Caldas de 16 de Março e pedi-lhe que me levasse à Catedral, o que espantou o meu camarada de armas e de partido.
A PIDE tinha distribuído panfletos considerando-o, famigerado traidor à Pátria, indesejável em território português e dava vivas a Portugal uno e indivisível.
Em 2001, conheci o Bispo D. Tomé, sucessor de Vieira Pinto. Durante cinco anos consecutivos, passei as minhas férias a trabalhar no projecto de recuperação do Hospital de Marrere, administrado pelo padre Jacob colega do seminário de Edgar Silva. Fiquei sempre hospedado na Diocese e deliciei-me com a sua Biblioteca, pela dimensão e diversidade.
Vieira Pinto chegou a Moçambique em Setembro de 1967, onde Kaulza de Arriaga se mostrou impotente diante da impetuosidade da luta da Frelimo. Na Catedral, pela voz firme do jovem Bispo recém-nomeado, ecoava a exortação de Paulo VI em Fátima: «Homens, sede Homens! »
Desde o primeiro momento, Vieira Pinto, muito espontaneamente, tinha gestos e palavras que deixavam os colonos desconcertados.
Momentos depois de aterrar, ultrapassa as filas VIPs e vai, às filas do povo africano que o espreitava e, tomando uma criança dos braços de uma mãe macua, eleva-a em direcção ao sol. Murmurações surdas de colonos, e gritos de exultante alegria de negros, misturam-se. Depois, não perderia tempo a tratar de mudar mentalidades ao ritmo do Vaticano II.
Em 1971 publicou Estamos numa Hora de Viragem, documento programático de corte com os equívocos e as ambiguidades da acção missionária ao abrigo do Acordo Missionário em que a “portugalização” mais prejudicava do que favorecia uma autêntica evangelização.
Também escreveu a Mensagem aos Presbíteros da Beira ( 1971) e O Caminho das Novas Estruturas Missionárias e Das Missões à Igreja Local.
A Homilia do Dia Mundial da Paz de 1974 - Repensar a Guerra - foi a gota de água que fez transbordar a (im)paciência e a raiva do regime colonial, sobretudo da PIDE.
No mês de Fevereiro, os Padres e as Irmãs Combonianos publicam, Um Imperativo de Consciência, sobre os direitos do Povo Moçambicano. O Bispo assina também. Rapidamente chega ao conhecimento das autoridades e as manobras de ataque não se fazem esperar.
Manifestações arruaceiras orquestradas pela PIDE manipulando as forças mais primárias, ignorantes e colonialistas de Nampula, levam, primeiro, ao ataque à Igreja Paroquial de S.Pedro, onde partiram todos os vidros, à Catedral e ao Centro Catequético do Anchilo, bem como a pedradas e insultos em frente da residência episcopal, e finalmente à prisão de 10 missionários combonianos juntamente com o Bispo. Todos seriam expulsos não só de Nampula mas também de Moçambique.
Com o 25 de Abril não se fez esperar o desagravo político. Spínola convidou-o para membro do Conselho de Estado, o que foi declinado.
Vieira Pinto, por decisão pessoal, regressaria a Nampula em Janeiro de 1975, em pleno processo de transição para a Independência em cuja cerimónia oficial, no Estádio da Machava, foi convidado de Samora.
Finalmente eleito presidente da CEM ainda pela maioria dos seus pares portugueses. Apenas tinham sido nomeados os dois primeiros bispos negros moçambicanos: Alexandre Santos (Maputo) e Januário ( Pemba ). Outros valores nacionalistas se levantavam entretanto. Vieira Pinto permaneceu em serviço, lúcido e dedicado ao seu povo. Sob os ventos da revolução, o bispo teve a coragem de combater a opressão colonial e os desvios e erros da revolução moçambicana.
Escreveu cartas a Samora a 26 de Março de 76,em Outubro de 80,em Dezembro de 82,em Março de 86,bem como em 87 dirigiu-se a Chissano.
De entre os documentos que li com atenção destaco as Cartas às Comunidades ( 25 de julho de 75) e, Ser Cristão na Revolução Socialista.
Nos tempos da guerra civil, pronunciou uma importante homilia no Dia Mundial da Paz (1984) intitulada: A CORAGEM DA PAZ.
No mês de Março seguinte seria celebrado o Acordo de Incomati entre o regime do Apartheid e o governo de Samora. Mas o martírio da guerra perduraria ainda muito para lá da morte de Samora (19 de Outubro de 1986), até ao Acordo Geral de Paz entre a RENAMO e o Governo de Moçambique (4.10.1992),
O Arcebispo Vieira Pinto permaneceu em Moçambique até ao Mês de Março de 2001, altura em que tomou posse o seu sucessor, o primeiro arcebispo moçambicano de Nampula, D. Tomé Makhweliha.
Faleceu a 30 de Março de 2020.