Arbitrariedades, avante!
A Festa do Avante, como Jerónimo de Sousa diz, “não é festival”... apesar de ter música ao vivo, concentrações de pessoas a festejar e uma duração de três dias
Depois de várias semanas de estado de emergência, de vidas limitadas por medidas de confinamento que provocaram (e ainda estão a provocar) efeitos incalculáveis a nível económico que se irão revelar durante os próximos anos, depois de pequenos negócios trucidados e dos seus proprietários terem sido multados por tentarem continuar os seus negócios por desespero (não por ganância), António Costa ainda ousa ser arbitrário nas suas políticas de contenção do coronavírus.
Contrariando o que alguns possam já estar a pensar, o tema que vou tratar aqui não é o da celebração do 25 de Abril na Assembleia da República nem o cancelamento das celebrações da Páscoa deste ano, mas o facto de que estes dois eventos, ambos de extrema relevância nacional, foram tratados de acordo com a ameaça representada pela COVID-19 enquanto que outros eventos tiveram o luxo de não o ser... Refiro-me, obviamente, à Festa do Avante que, pasme-se, nem adiada foi.
O objetivo deste artigo não é o de começar com ataques ideológicos nem nada que se pareça. Na verdade, algo que esta pandemia demonstrou foi a necessidade da união da população independentemente de cores políticas, uma atitude assumida pelos portugueses que mereceu até grandes elogios da imprensa estrangeira, nomeadamente da espanhola. O que pretendo aqui comentar é, de facto, a hipocrisia que tem sido posta em prática, por parte do nosso Estado, durante estes tempos mais conturbados de pandemia global.
Desde o início que existiram apelos por parte do Governo para reduzirmos as nossas atividades ao “estritamente” essencial, sendo que este “estritamente essencial” é um pouco subjetivo quando consideramos o número de atividades vitais, no sentido individual, que foram impedidas de serem praticadas (como, por exemplo, os pequenos negócios que foram encerrados e que agora podem não vir a recuperar). Além disso, como todos sabemos, também existiram aqueles que optaram por não praticar certos comportamentos mesmo que autorizados por empatia às vítimas do COVID-19 e por respeito às palavras de alarme enunciadas por orgãos nacionais (Direção Geral da Saúde) e internacionais (Organização Mundial de Saúde). Perante estes dois tipos de comportamento louvável, é estranho ver a coragem que o Primeiro-Ministro tem em ignorar todo o esforço feito pelos cidadãos e, primeiro, permitir a realização das festas do 1 de Maio, da iniciativa da CGTP, e agora oferecer as desculpas menos convincentes para a razão de a Festa do Avante não ser adiada: “não nos passa pela cabeça impedir atividade política”.
Do ponto de vista da população em geral, além destes comportamentos infelizes resultarem numa diminuição da credibilidade do Estado (que foi bem sentida nos dias em que ocorreram), a verdade é que é este tipo de decisões que leva ao aumento do fosso ideológico político português, principalmente porque ambas ocorreram em relação a um movimento e a um partido de esquerda, algo que até pode ter sido “acaso do destino” mas que, definitivamente, impactou ambas as situações. Agora do ponto de vista mais específico, torna-se monstruoso pensar que tanto sacrifício foi feito pelos portugueses no geral para conter esta ameaça, tendo sido sacrificados estilos de vida e fontes de rendimento, para que agora o Partido Comunista possa realizar a Festa do Avante porque, como Jerónimo de Sousa diz, “não é festival”... apesar de ter música ao vivo, concentrações de pessoas a festejar e uma duração de três dias.
Como disse, é para mim irrelevante quem seja o organizador desta Festa. A questão é que, além de ainda não se saber como vai estar a situação de Portugal continental em setembro, a perspetiva de novo surto durante o Verão está longe de ser improvável. Perante todos estes sacrifícios feitos pelos portugueses, sejam os que estão a trabalhar nos hospitais, sejam os que tiveram que pôr em risco a sua estabilidade laboral por causa das medidas de contenção, sejam aqueles que morreram na solidão por não lhes terem sido permitidas visitas de familiares (como foi o caso dos idosos), esta aceitação, com tamanha brandeza, da realização da festa comunista por parte do Governo é uma autêntica bofetada sem mão àqueles que decidiram ser cumpridores. Ironicamente, e posto isto, tornou-se claro que os organizadores de eventos para grandes aglomerados de pessoas devem argumentar que os seus projectos detêm propósitos políticos para, desta forma, irem avante com as suas iniciativas.