Estado de Ditadura/Ditadura do Estado
“Graças” à pandemia de Covid-19 todos os Portugueses sabem, hoje em dia, o que é viver em Ditadura
É usual apontar às gerações “jovens”, nomeadamente, as que não vivenciaram o 25 de Abril de 1974, a incapacidade de “dar valor à liberdade”, de “saber o que a mesma custou a ganhar” e de “compreender o que era viver em Ditadura.” Esta Doutrina, para além do inquestionável/insuperável argumento temporal, assenta no pressuposto que vivemos actualmente num verdadeiro Estado de Direito Democrático, que, a meu ver, é altamente questionável.
Seja como for, desde meados de Março deste ano, “graças” à pandemia de Covid-19 todos os Portugueses sabem, hoje em dia, o que é viver em Ditadura. E mais: todos aqueles que, como eu, não tiveram capacidade intelectual para estudar algo que não Direito, ficaram a saber que tudo aquilo que se aprende na Faculdade relativamente a situações como aquela que actualmente vivemos e aos direitos e grantias dos cidadãos perante o Estado não passa de mera teoria e/ou retórica.
Na verdade, ao longo dos últimos 2 meses, foi desfiado um rosário de comportamentos, decisões administrativas e diplomas legais e regulamentares que são, por si só, suficientes para elaborar um robusto “Manual do Bom Ditador”. Salvaguardadas as diferenças face a situações extremas, atrevo-me a dizer que, nunca, em tão pouco tempo, se cometeram tantas ilegalidades e se adoptaram tantos comportamentos discricionários e violadores dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da tutela da confiança e da justa repartição dos sacrifícios.
Começando pela produção legislativa, o número de inconstitucionalidades e de ilegalidades que foram cometidas pelo Estado e pelas Regiões Autónomas garante entrada directa para o “Guiness Book”. Quer seja por falta de enquadramento/suporte constitucional, quer seja por falta de competências para os emitir e/ou executar, quer seja por conterem disposições claramente ilícitas, são raros os diplomas que não enfermam de várias e grosseiras ilegalidades.
Por sua vez, no plano do tratamento dos cidadãos quer entre si, quer perante o Estado, (quase) todos puderam provar o que é ser tratado de forma discriminatória ou injusta, designadamente, em função de ideologias políticas, crenças religiosas e estatutos jurídicos.
Em concreto, os Portugueses ficaram a saber que, dependendo dos interessados/beneficiados, há eventos e “eventos”, há concertos e “concertos”, há trabalhadores e “trabalhadores” e há empresas e “empresas”. Tal como ficaram a saber que – com honrosas excepções – os impostos, taxas e taxinhas são sempre para pagar, bem como que as leis e contratos que impõem deveres e obrigações ao Estado só se aplicam enquanto e se este quiser.
De entre todas as “atrocidades” que foram cometidas nos últimos 2 meses, entendo que, pelo seu simbolismo, 3 delas são especialmente ilustrativas do período ditatorial que vivemos.
Em primeiro lugar, a desigualdade de tratamento entre os trabalhadores do sector privado, incluindo os trabalhadores independentes e os membros de órgãos estatutários, e os trabalhadores do sector público.
Em segundo lugar, o tratamento de favor dispensado a certos eventos “ideologicamente corretos”, designadamente, face a eventos com características idênticas.
Finalmente, a ligeireza com que, apesar de terem sido genericamente mantidas as obrigações legais, financeiras e contributivas para com o Estado, foram suprimidos os direitos dos privados ao reequilíbrio financeiro dos contratos públicos e à indemnização pelo sacrifício decorrente de actos praticados por entidades públicas.
E antecipando as cenas dos próximos capítulos, estou curioso para perceber quais serão os apoios concedidos à TAP? E quem e quanto beneficiou com o regime “selvagem” de contratação pública criado para combater a pandemia?
E mesmo para terminar: já vai sendo tempo de retirar os Tribunais do estado de hibernação/paralisia em que se encontram. Ou não?