Quarentena obrigatória na Madeira pode estar em causa
Tribunal Judicial Comarca dos Açores entende que “a restrição desse ou outros direitos fundamentais é matéria da competência de dois órgãos de soberania, a Assembleia da República ou do Governo da República
Na Região Autónoma da Madeira continua em vigor a quarentena obrigatória para todos aqueles que chegam à ilha. Isso mesmo foi reafirmado ontem pelo secretário regional da Saúde e Protecção Civil, Pedro Ramos, que remeteu uma decisão para quando as instâncias europeias se pronunciarem, num documento final, sobre o sector da aviação.
No entanto, já hoje, o Tribunal Judicial Comarca dos Açores considerou que a privação da liberdade dos cidadãos está “fora do âmbito de competências” dos órgãos próprios das Regiões Autónomas, sendo exclusiva da Assembleia e Governo da República. Ora, tal decisão judicial, no seguimento de um processo instaurado por um cidadão colocado em confinamento, pode colocar em causa a medida aplicada também na Madeira. O DIÁRIO pediu, a este propósito, esclarecimentos à Secretaria Regional da Saúde e aguarda nota oficial.
Ao que o DIÁRIO apurou, nos Açores, os cidadãos que se encontravam em quarentena obrigatória em unidade hoteleira, paga pelos próprios no caso dos não residentes, estão a ser informados que vão poder regressar às suas residências ainda hoje.
Juíza entende que “qualquer cidadão nacional pode livremente desembarcar”
Sobre a decisão do Tribunal Judicial Comarca dos Açores em relação à privação de liberdade é dito que: “a restrição desse ou outros direitos fundamentais é matéria da competência de dois órgãos de soberania, a Assembleia da República ou do Governo da República, e este se autorizado por aquela, quedando assim fora do âmbito de competências dos órgãos próprios das Regiões Autónomas, o que implica inconstitucionalidade orgânica dos normativos que a autorizam”.
O Tribunal de Ponta Delgada deferiu hoje um pedido de libertação imediata (’habeas corpus’) feito por um queixoso, contra a imposição de quarentena em hotéis por parte do Governo dos Açores.
Em causa está uma iniciativa de um queixoso que foi colocado em quarentena obrigatória numa unidade hoteleira em Ponta Delgada e avançou com um ‘habeas corpus’, que foi entregue à juíza de instrução criminal do Tribunal de Ponta Delgada que, por seu turno, desencadeou os mecanismos legais.
Desde o dia 26 de março que todos os passageiros que chegam aos Açores são obrigados a ficar 14 dias em confinamento numa unidade hoteleira indicada pelo executivo açoriano, como medida restritiva para travar a evolução da pandemia da covid-19, tendo as despesas com o alojamento passado a ser pagas pelos passageiros não residentes no arquipélago desde 08 de maio.
A juíza de instrução criminal de Ponta Delgada, citada na nota de imprensa, considera que a situação em causa “era de privação da liberdade, entre outras razões, por nela não concorrer o consentimento do visado, decorrer em local confinado e sob vigilância policial”.
Acresce que este ocorre “fora de estado de emergência, não tem título no artigo 27.º/1/3” da Constituição da República, o que “implica inconstitucionalidade material dos normativos que a autorizam”.
Mesmo que não se verificasse uma “inconstitucionalidade orgânica”, a juíza entende que, estando declarada a calamidade pública em todo o território nacional, “qualquer cidadão nacional pode livremente desembarcar” em qualquer aeroporto do continente e da Região Autónoma dos Açores.
Acresce que os residentes “não custeiam, mas os não residentes custeiam, o confinamento compulsivo”, o que “viola o princípio da igualdade”.
De acordo com a juíza de instrução criminal de Ponta Delgada, o “confinamento compulsivo de pessoa sem estar infetada, e sobre o qual não recaia fundada suspeita de infeção”, agravado da “ausência da possibilidade de fazê-lo no domicílio”, tendo ainda em conta que “pessoas positivamente infetadas fazem aí o seu tratamento, viola os princípios da proporcionalidade”.
Ordem dos Advogados apoia decisão de tribunal sobre quarentena nos Açores
A Ordem dos Advogados congratulou-se com a decisão do Tribunal de Ponta Delgada que diferiu um pedido de libertação imediata (’habeas corpus’) feito por um queixoso, contra a imposição de quarentena em hotéis por parte do Governo açoriano.
Em nota enviada à agência Lusa, o bastonário dos advogados, Luís Menezes Leitão refere que a Ordem tomou conhecimento que “foi julgada procedente uma providência de ‘habeas corpus’ contra a medida do Governo Regional dos Açores de colocar todos os que se deslocam aos Açores em quarentena obrigatória num hotel, privando-os de qualquer contacto com a família ou até da possibilidade de regressar ao continente, sendo que, no caso dos não residentes nos Açores, os obriga ainda a pagar a conta do hotel”.
Em causa está uma iniciativa de um queixoso que foi colocado em quarentena obrigatória numa unidade hoteleira em Ponta Delgada e avançou com um ‘habeas corpus’, que foi entregue à juíza de instrução criminal do Tribunal de Ponta Delgada que, por seu turno, desencadeou os mecanismos legais.
Tendo sido “alertada para a arbitrariedade dessa medida” por um magistrado residente nos Açores, a Ordem dos Advogados, através da sua Comissão de Direitos Humanos, “procurou imediatamente resolver a situação”, tendo apoiado o advogado Pedro Gomes, que interpôs a providência de ‘habeas corpus’ em defesa do seu constituinte “arbitrariamente detido num hotel, tendo conseguido que essa providência de ‘habeas corpus’ fosse julgada procedente, o que obriga ao fim desta detenção ilegal”.
Segundo a Ordem, da parte dos “restantes órgãos de soberania nada foi feito para terminar com estas detenções ilegais, apesar de delas terem pleno conhecimento, tendo o senhor primeiro-ministro se limitado a recomendar aos cidadãos do continente que não se deslocassem aos Açores”.
Foi por isso apenas um advogado que, em defesa do seu constituinte, reagiu e conseguiu terminar com a detenção arbitrária a que este foi sujeito. Deve por isso o país ter presente que os advogados estão disponíveis e prontos a defender os cidadãos que sejam lesados por acusações arbitrárias das autoridades, podendo qualquer cidadão recorrer a um advogado para esse efeito.
Para a Ordem dos Advogados, uma vez levantado o estado de emergência, os direitos fundamentais dos cidadãos “voltam a estar plenamente em vigor e não podem ser limitados por medidas arbitrárias”, estando garantido o recurso aos tribunais contra essas medidas.