Os ralis em tempo de pandemia
Estando afastado do automobilismo há vários anos, não deixei no entanto de acompanhar a evolução técnica e desportiva que se foi passando na modalidade que pratiquei, os ralis.
E, nestes tempos difíceis, vou tomando nota daquilo que vai acontecendo com esta prática desportiva pelo mundo fora.
A pandemia do Covid-19 trouxe consequências na realização de provas e campeonatos. Alguns destes foram já cancelados para o ano corrente, como na Nova Zelândia ou na Irlanda, e várias organizações adiaram ou cancelaram os seus eventos. A nível de Campeonato do Mundo, o Rali de Portugal foi já definitivamente cancelado em 2020.
Mas, os maiores efeitos da pandemia sobre os ralis estão ainda por quantificar, sendo que já é possível perceber que os efeitos sobre a economia trarão consequências, obviamente, nefastas.
As empresas patrocinadoras terão que rever, muitas já o fizeram, os patrocínios aos praticantes e aos organizadores, cancelando uns e diminuindo substancialmente outros. Todos, sofrerão com uma realidade económica que por via de uma recessão grave, provocará efeitos a diferentes níveis.
E é neste contexto que entendo que devem ser tomadas medidas corajosas relativamente ao Campeonato da Madeira de Ralis. E a FPAK tem o dever de as tomar, pensando mais naquilo que é possível do que, naquilo que seria desejável, ouvidos os clubes organizadores e os pilotos, mesmo que no fim tenha que decidir sem contentar a uns ou a outros, embora não perceba porque é que em relação aos segundos, deixou de fora numa primeira auscultação, praticantes com largas dezenas de anos da modalidade e palmarés que falam por si.
Parece-me líquido que os efeitos económicos da pandemia aconselham a que a edição de 2020 do Campeonato da Madeira de Ralis não se realize com a totalidade das provas. Não é possível escamotear que várias equipes dependem de patrocinadores que neste momento têm empresas encerradas, com faturação zero. Das sete (7) provas calendarizadas, julgo que não mais do que quatro (4) devem ter lugar. Cabe aos clubes associarem-se manifestando comunhão de interesses, ou aos que organizam duas provas, fazê-lo com uma única, casos do Club Sports Madeira e do Clube Desportivo Nacional.
O Rali Vinho Madeira deveria ser cancelado na sua edição de 2020. É uma medida “dura”, bem sei, mas há que ter coragem. Seria a segunda vez, depois de em 1974, por razões políticas do momento. Mas, por um lado, seria mal entendido que em tempos de grandes sacrifícios e de apoios públicos absolutamente necessários às empresas, famílias e instituições sociais, existissem subvenções públicas a eventos desportivos não essenciais para a promoção turística nos mercados onde há que apostar para os tempos vindouros. É verdade que se trata de uma “festa” regional, talvez a maior em termos de adesão popular. Mas o tempo não é de festas. Por outro lado, os pilotos agradeceriam porque o custo de disputar um Rali Vinho Madeira dá para fazer outros quatro (4) ralis do Regional. Agradeceriam também os pilotos do Campeonato de Portugal, porque assim não teriam uma deslocação a uma das provas mais dispendiosas do respectivo campeonato.
Agradeceriam ainda as autoridades de saúde, uma vez que o aglomerado de pessoas sem distanciamento seria impossível de evitar, controlar ou fazer respeitar, em alguns pontos mais icónicos das classificativas madeirenses.
Assim o Campeonato da Madeira de Ralis 2020 deveria realizar-se com quatro (4) provas, sendo que as Super-Especiais não devem ser permitidas, no que aliás já é entendimento consensual. Os ralis poderiam ser “reinventados”, fazendo a federação as alterações regulamentares necessárias que permitissem aos organizadores apresentar novas fórmulas de competição. Por exemplo, permitir ao organizador escolher um traçado com 8 a 10 kms, fazendo os concorrentes percorrê-lo por quatro (4) ou cinco (5) vezes, contando para a classificação o resultado das três (3) ou quatro (4) melhores passagens, respectivamente. Desta forma, o clube organizador teria a possibilidade de melhor colocar o público ao longo do traçado único, evitando ajuntamentos, e estabelecendo horários alargados para entrada desse mesmo público.
Outra opção poderia ser o mesmo traçado duas (2) a três (3) vezes em cada sentido. Mas outras fórmulas existem, e até o normal figurino poderia manter-se, limitando a 60 kms o total de classificativas disputadas. Mas, que qualquer opção tenha em conta a diminuição de custos, para pilotos e organizadores.
Entendo que o campeonato deva ser disputado entre Setembro e fim de Novembro, para que se percebesse até lá os efeitos epidemiológicos das medidas de desconfinamento e da abertura gradual do aeroporto e início da actividade turística, que obrigatoriamente terá que acontecer. Seria também um contributo do desporto automóvel para o interesse da comunidade.
E, sejamos realistas. É preciso “fazer” 2020 a pensar em 2021 e anos seguintes.
Querer efectuar todas as provas previstas para o calendário do ano corrente é não ter percebido aquilo que aconteceu, e as suas consequências, no imediato e no futuro.