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Crónicas

Nós continuamos a arder...

É triste e indecoroso, numa altura difícil como esta, em que empresários vêem a sua vida virar do avesso, com contas por pagar, empregados para manter e um negócio para sustentar, em que funcionários vêem os seus empregos em risco e os seus já de si parcos ordenados ainda mais diminuídos devido ao ‘layoff’, em que tantos empregos, da cultura às artes, do imobiliário à restauração ou ao entretenimento vivem dias de desespero e incerteza decidirmos uma nova injecção de capital no Novo Banco, no valor de 850 milhões de euros. E não me venham com a desculpa de que já estava combinado, de que tinha de ser. Estamos fartos de pagar com a justificação do “porque tem de ser”. Em plena crise pandémica, com tantos portugueses aflitos, a precisar de um apoio mais do que merecido é isto que têm para apresentar ao País? Uma autêntica vergonha, quando se invocam regimes de excepção para tanta coisa devido à Covid-19, apressarem-se a enterrar mais dinheiro na banca quando milhares de empresas não conseguiram ainda o seu subsidio, quando sócios-gerentes ainda nada receberam quando são chamados todos os meses a contribuir, quando trabalhadores a recibos verdes não sabem o dia de amanhã.

Mas voltemos um pouco atrás. Em pouco mais de uma década, o Estado ajudou os bancos em quase 24 mil milhões de euros. A maior parte deste dinheiro não foi reembolsado pelos mesmos. Começou no BPP onde foram injectados 450 milhões de euros, enquanto o BPN era nacionalizado. Entre garantias, aumentos de capital e empréstimos concedidos pelo Estado já lá vão mais de 4 milhões. Quando tivemos nós próprios de ser resgatados pela troika houve um pacote destinado à banca. O BCP recebeu 3 mil milhões e o BPI 1 milhão e meio. O BES que sempre recusou o empréstimo (porque supostamente estava de boa saúde) levou-nos perto de 5 milhões de euros em 2014 e depois de o dividirmos em Banco bom e mau e de vendermos o suposto bom (Novo Banco) ao fundo americano Lone Star já lá tinham sido postos até à data cerca de 3 mil milhões. O Banif foi outro, com ajudas da troika e uma resolução em 2015. Mais 3.4 milhões a voar. A própria Caixa Geral de Depósitos é neste momento o grande sorvedouro, tendo solicitado desde 2007 mais de 6 mil milhões de euros. Ainda há pouco tempo, uma recapitalização do banco público custou-nos mais 2.5 milhões. O caminho continua e não ficará por aqui. Enquanto na AR se vai jogando o jogo das culpas somos nós enquanto sociedade que continuamos a arcar com o prejuízo.

Esta história é por isso apenas e só mais um acto de um teatro interminavelmente obsceno e indecente. Supostamente, a lei diz que é necessária uma auditoria à gestão do Novo Banco, (que está a ser realizada ) só não diz (convenientemente), é que não podem existir mais injecções de capital sem essa auditoria estar terminada. Entretanto, o ministro das Finanças “esquece-se” de avisar o PM e faz a devida transferência. Desculpas para lá, desculpas para cá e está tudo bem. Como sempre. Andam todos a gozar com a nossa cara. Do Centeno ao Ferro, do Marcelo ao Costa, é só palmadinhas nas costas. E para desviar a questão ainda têm a lata de vir falar de recandidaturas, entre sorrisos. Mas a cereja no topo do bolo é o Novo Banco ainda definir prémios pelo desempenho, que se salda em dívida e mais dívida e perante a questão ainda têm a imoralidade de dizer à cara podre que não recebem nos próximos dois anos mas que esse valor depois será anexo ao que receberão nos anos subsequentes e provavelmente com juros!

Não precisamos de ser especialistas na matéria para saber que o grande problema da banca em Portugal chama-se crédito malparado. Um regabofe que tudo permitiu a uns quantos, deixou-nos um buraco que corresponde a 11% de toda a riqueza criada no país. Enquanto isso continuamos a assistir à promiscuidade entre a política e tudo o que são cargos de relevo em diversas instituições. Centeno segue para o Banco de Portugal , Paulo Pedroso no Montepio.Parece que não aprendemos nada.Ainda há dias um amigo contou-me que estava “numa situação complicada , com vários créditos em carteira e desdobrava-se em esforços para não falhar pagamentos, injetando capital próprio e dos negócios mais sólidos para aguentar os outros.”Sugestão da banca? “Deixa de pagar todas as prestações.Só assim farás soar as campainhas internamente.Chamar-te-ão, choras um bocado, renegoceiam-te a dívida e estás safo...É isto. Importante é apagar os fogos dos bancos.E nós? Nós continuamos a arder e ainda somos chamados para apagar os fogos deles.Quem tem a culpa? Somos nós que continuamos a não fazer nada quanto a isso.

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