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“Especialistas de Bancada”

Já estávamos habituados aos “treinadores de bancada”. A lógica parecia ser que, como “toda a gente” tinha jogado à bola ou via jogos desde pequeno, estava habilitado com a “carteira de especialista”. Por isso, não se deve estranhar que, na mesma lógica, como todos nós desde pequeninos, direta ou indiretamente, “convivemos” com vigaristas e criminosos, somos “especialistas” para opinar sobre a Justiça e como todos vivenciámos as mais variadas doenças, também estamos habilitados para opinar enquanto “especialistas” ao nível da Saúde em geral e agora mais particularmente sobre o Covid-19.

Obviamente, não está em causa a liberdade que cada um tem para opinar sobre o que quer que seja, da mais douta opinião ao bitaite mais disparatado e perigoso. A questão está no estatuto de “especialista” que é dado. Se no âmbito do futebol as consequências negativas normalmente se situam no campo da sanidade mental, se em relação à Justiça se podem colocar pontualmente alguns problemas ao nível da criação de um sentimento de justiça popular, já no que toca à Saúde, as consequências dos bitaites dos “especialistas” podem ter consequências bem mais graves, colocando mesmo em risco a vida das pessoas, de muitas pessoas...

Nos últimos tempos, tem sido um fartote de “achologia” no campo da Saúde. Eles são matemáticos, físicos, comentadores políticos, e muitos outros que não se sabe o que fazem na vida e, por vezes, mesmo alguns que sendo profissionais de Saúde, opinam sobre aquilo que não é a sua área de especialidade ou que nunca estudaram e refletiram. Obviamente, tem havido várias exceções, como a daquele otorrinolaringologista do Hospital de Santa Maria, quando questionado sobre a evolução das curvas, do pico da curva, do planalto, etc. simplesmente respondeu que não tinha competências científicas e técnicas para opinar sobre isso e que apenas podia repetir o que os especialistas credíveis diziam...

Os “especialistas de bancada”, enquanto divulgadores de bitaites, são o rastilho para que, quer idiotas com poder, quer o mais pacato cidadão que está assustado, deem azo a uma espécie de conselhos criativos que encontram eco em muitas pessoas, independentemente da classe social, das habilitações académicas, dos credos religiosos, das opções ideológicas e políticas, etc.... Ou seja, ao nível da Saúde, falar do que não se sabe, “pia mais fino”, pois pode ser a morte do artista, na verdadeira aceção da palavra. Veja-se que alguns até beberam desinfetante...

Realmente, Einstein tinha razão ao afirmar que apenas duas coisas eram infinitas: o universo e a estupidez humana, mas que em relação ao universo não tinha a certeza absoluta.

Por outro lado, também é verdade que tem sido uma agradável surpresa a clarividência e a capacidade de intervenção de alguns verdadeiros especialistas que, sem precisarem de se colocarem em bicos dos pés, de se armarem em grandes educadores do povo, de fazerem afirmações bombásticas, de socorrer-se de futurologia, ... de uma forma pedagógica têm contribuído para uma melhor compreensão da situação que vivemos... e ajudado quem decide e cada um de nós a encontrar as melhores soluções para desbravar terreno virgem...

Não se combatem os disparates com proibições. Cada um deve poder dizer o que quer, não podemos é contribuir para a reprodução e disseminação de bitaites irresponsáveis. Temos de saber distinguir o trigo do joio, mas não é fácil pois os “bem-falantes” normalmente dizem o que pessoas querem ouvir... atribuindo culpas a alguém ...

A título de exemplo, antes de formarmos opinião sobre o que o “especialista” diz ou escreve, podemos fazer o seguinte “exercício”: 1- O que defende em concreto? 2- Quais são os argumentos utilizados? 3- À luz do conhecimento atual, qual a credibilidade desses argumentos e que alternativas de explicação/solução existem? No fundo, uma forma simplificada de fazer uma espécie de triangulação dos dados, dos especialistas, das teorias, dos métodos ...

Ora, isto é algo que se tivesse sido convenientemente desenvolvido ao longo de todo o sistema educativo (da pré-escola à universidade) devia estar enraizado em cada um de nós, mas infelizmente, como é bem evidente, não está...

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