Dificuldades técnicas atrasam começo de julgamento de rede de droga
Pandemia da Covid-19 obriga a audiência inédita que coloca magistrados, advogados e arguidos em oito espaços distintos
O julgamento de 14 estrangeiros acusados de pertencer a uma rede internacional de tráfico de cocaína tem início na manhã desta quarta-feira, no Tribunal do Funchal, em condições inéditas devido à pandemia da covid-19, com a separação de magistrados, advogados e arguidos que estão em prisão preventiva em Portugal e Espanha. No total, os intervenientes estarão distribuidos por oito espaços diferentes, a maioria dos quais a acompanhar a audiência através de videoconferência.
O julgamento deveria ter início às 9h15 mas está atrasado. Os advogados já estão nas três salas de audiência do tribunal, mas esta, que é a primeira sessão do julgamento, ainda não arrancou devido à dificuldade em contactar um dos dois arguidos que se encontram em Espanha. Só começou pelas 11h15, com duas horas de atraso e muito devido a problemas técnicos de ligação.
Questionado pelos jornalistas no Palácio da Justiça, o juiz presidente da Comarca da Madeira, Paulo Barreto, diz que todas as possibilidades foram equacionadas mas explicou que o julgamento não poderia ser adiado sob pena de por em causa a liberdade dos arguidos que aguardam por justiça em prisão preventiva.
“Nenhum juiz gosta de julgar arguidos a partir do estabelecimento prisional, as pessoas são julgadas nos tribunais que são a casa dos direitos, mas nestas circunstâncias e atendendo aos tempos que atravessamos a preocupação é garantir todos os direitos processuais dos arguidos e, nesse aspecto, acho que estamos tranquilos”, declarou Paulo Barreto.
O magistrado explicou que o julgamento de pessoas estrangeiras, acusadas de estarem ligadas a uma rede internacional de tráfico de droga, requeria medidas de segurança excepcionais que, nos tempos de pandemia devido ao risco de contágio da Covid-19, não garantiriam o distanciamento social.
A opção seguida pelo Tribunal do Funchal garante que todos os arguidos assistam ao julgamento na presença dos seus advogados, que podem ser contactados telefonicamente. “Estão em prisão preventiva, não havia outra maneira”, apontou o juiz presidente da Comarca da Madeira, reagindo ao protesto que alguns advogados manifestaram aos jornalistas, à entrada para o tribunal.
“Nós estamos seguros de que não há violação de nenhum direito processual do arguido e ninguém impede que o arguido fale pelo telemóvel com o advogado”, respondeu Paulo Barreto, lembrando que o julgamento decorre num período histórico de pandemia. “É preciso ver que estamos em tempos excepcionais, ou adiava o julgamento ou avançava nestas condições que não são as ideais”, referiu o juiz, reconhecendo que “ninguém quer ser julgado na cadeia mas dadas as circunstâncias tem de ser assim”.
Questionado sobre a possibilidade de o Tribunal requisitar um espaço mais amplo que permita que todos os intervenientes estivessem presentes, magistrados, advogados e arguidos, Paulo Barreto explicou que a Comarca da Madeira não dispõe de meios financeiros para, por exemplo, alugar um espaço maior.
Conforme o DIÁRIO avançou na edição impressa desta quarta-feira, magistrados e oficiais de justiça tiveram que puxar pela imaginação para preparar a logística de um julgamento que vai ser acompanhado, em simultâneo, em três salas de audiência, duas cadeias e três domicílios de arguidos, tudo isto distribuído por cinco cidades de Portugal e Espanha.
Numa das maiores salas de audiências do Palácio da Justiça estarão o colectivo de juízes presidido por Carla Meneses, o procurador Paulo Oliveira e quatro advogados. Vão usar todos viseira e/ou máscara.
Mas como há que garantir o distanciamento mínimo de 2 metros entre cada interveniente, mais oito advogados seguem a audiência, por videoconferência, em duas outras salas do mesmo tribunal.
Dez arguidos que estão em prisão preventiva vão acompanhar o julgamento por videoconferência a partir do auditório da cadeia da Cancela. Há outro que está preso na cadeia de Tires (Grande Lisboa). Três arguidos estão em prisão domiciliária em Madrid, Corunha e Canárias e serão ouvidos via Skype. Estão agendadas audiências para hoje e amanhã.
Conforme o DIÁRIO noticiou sábado, os 14 estrangeiros que vão a julgamento são acusados de pertencer a uma rede que transportava cocaína desde a América do Sul para o continente europeu. A droga seguia na bagagem de passageiros de navios de cruzeiro e era desembarcada em portos insulares, sendo depois remetida por via aérea para os países europeus.
O grupo que agora chega a tribunal foi detido a 24 de Março de 2019 na posse de 11,6 quilos de cocaína durante uma escala do paquete ‘MSC_Opera’ no porto do Funchal.
A acusação do Ministério Público, baseada na investigação da PJ e nas informações da National Crime Agency (Reino Unido), diz que o grupo, constituído quase totalmente por sul-americanos, recorria a indivíduos com grande mobilidade em países europeus (Espanha, Reino Unido, Holanda e Alemanha) para disfarçar as viagens e a actividade do narcotráfico.