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O Governo usou o dinheiro dos contribuintes portugueses para garantir os riscos de alienação
Numa altura em que Bruxelas torna público o impulso orçamental de cada um dos países da zona euro e se percebe que, para além das medidas políticas transitórias, Portugal é uma das economias do euro que menos vai gastar no combate à crise, sendo o impulso orçamental em 2020 de quase um quinto do que vai fazer Itália, surge a notícia de que o Ministério das Finanças acaba de efetuar uma transferência de 850 milhões de euros para o Novo Banco. Mais uma transferência no âmbito de um negócio no qual o Governo usou o dinheiro dos contribuintes portugueses para garantir os riscos de alienação.
O primeiro ministro negou no Parlamento essa transferência, mas, depois, acabou por confirmá-la através da comunicação social. António Costa justificou a inverdade que proferira na Assembleia da República com o facto de não ter sido informado de que o Ministério das Finanças, portanto o seu próprio Governo, tinha procedido a esse pagamento.
Isto, depois de o primeiro ministro ter prometido, em resposta no âmbito de um debate quinzenal na Assembleia da República, que o Estado não faria qualquer nova transferência enquanto não fosse conhecido o resultado da auditoria que mandara fazer às contas do banco, agora gerido pela Lone Star, fundo com o qual este Governo negociou. E foi o atual Ministro das Finanças de António Costa quem definiu, com o Banco de Portugal, o modelo de venda e de definição das contrapartidas públicas.
Essa promessa de António Costa, de não efetuar qualquer nova transferência, foi repetida no debate parlamentar desta semana, agora em resposta a Catarina Martins, parceira recente da sua governação, a quem acabou por pedir desculpa quando soube que, afinal, o Ministério das Finanças tinha já efetuado essa transferência. Mário Centeno encontrava-se ausente em mais uma reunião do Eurogrupo, onde não é certa a sua permanência na presidência.
Entretanto, João Soares, um dos herdeiros perpétuos do PS nesta espécie de dinastia socialista, comentando o caso, começou por tentar refugiar-se na resolução do banco, que, como se sabe, foi muito condicionada pelo quadro europeu, mas acabou por não conseguir esconder o seu desconforto dizendo que era, de facto, estranho o sucedido, para depois por fim, talvez numa estratégia inconsciente, apontar a mira e disparar impiedosamente sobre Mário Centeno, referindo que a transferência do Ministério das Finanças havia sido um erro sério que lamentava.
Nesta questão, a ala socialista de Costa terá sido ultrapassada e encostada. E sabemos como o atual primeiro-ministro gosta de controlar os seus jogos de poder.
A verdade é que esta turbulência não será recente, uma vez que já em março deste ano surgiam notícias de um acordo entre António Costa e Mário Centeno para que este deixasse o Governo até ao final do primeiro semestre, o que levou inclusivamente o Presidente da República, agora mais próximo do Governo de António Costa, a chamar Mário Centeno a Belém tentando convencê-lo a não abandonar o cargo de Ministro das Finanças quando o país começava a enfrentar as terríveis consequências da pandemia.
Creio que será ingénuo falar apenas em falta de coordenação política, pois percebe-se que este episódio representa mais do que isso. António Costa faltou ao prometido e sai fragilizado, numa altura em que parece ter maior cumplicidade por parte do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista do que do seu próprio Governo.