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O meu 1.º de Maio

Esta pandemia forçou-nos a olhar para muitas das tais profissões socialmente desvalorizadas

Segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) estima-se que no contexto desta pandemia, 8 em cada 10 trabalhadores percam o seu trabalho, o que resulta num número impressionante de cerca de 15 milhões de postos de trabalho perdidos diariamente. A este número, falta ainda precisar uma imensidão de trabalhadores precários, em resultado dos muitos esquemas que a OIT designa genericamente por FAE (formas atípicas de emprego). Ou o lugar comum da cena laboral trazida pela globalização dos últimos 40 anos, desprovidos de qualquer vínculo contratual, os peões da informalidade crescente do mercado de trabalho, apanhados pela pandemia completamente à margem de qualquer esquema de proteção social. Estima-se serem de dois mil milhões em todo o mundo e serão os mais vulneráveis de todos, por não poderem aceder a mecanismos de proteção social, dependendo apenas e sempre da solidariedade familiar e comunitária de proximidade – quando há!

Com o índice do desemprego a explodir por todo o mundo, consequência do confinamento redução e destruição de muitas atividades económicas impostos pela pandemia, o empobrecimento generalizado de largos milhões à escala global é o cenário que se segue. E não há layoff ou subsídio de desemprego, programas sociais de autarquias e associações de solidariedade social ou demais ajudas públicas e privadas que cheguem para substituir o funcionamento da economia paralisada. E já há fome, diz a líder do Banco Alimentar... Não será difícil perceber a dimensão apocalíptica de pobreza, miséria, exclusão social... A ONU estima cerca de 83 milhões de esfomeados em consequência desta epidemia... Diz ainda que os efeitos só não serão catastróficos e devastadores, se houver capacidade política e económica, sentido gregário e sensibilidade social capazes de construir mediadas interventivas que permitam fazer a diferença entre sobrevivência e colapso. Porque esta é uma catástrofe do mundo desenvolvido e dos países em desenvolvimento, afetando todos, ricos e pobres. Donde, independentemente dos “achismos” sobre sim ou não às comemorações do 1º de maio, com ou sem manifestação, importa refletir sobre todo o contexto laboral, agora que consensualmente se assiste ao gradual retomar da vida económica.

Um interessante artigo do professor de filosofia política na universidade de Harvard, Michael Sandel (New York Times, 13 de abril de 2020) ajuda a conduzir o olhar para o que talvez precise ser feito neste voltar ao normal possível. A proposta é não só aproveitar todo o conhecimento médico adquirido com esta dramática experiência para melhorar os cuidados de saúde, mas encetar uma reflexão sobre solidariedade, desigualdade, meritocracia, elites e bem comum, questionando cada um sobre o que deve aos outros enquanto cidadão. Em suma uma renovação moral e política em nome da democracia. Ou o que já se designa por uma nova ordem mundial...

Remetendo para os valores que têm sustentado o contexto da globalização, demonstra como a lógica do mercado, o outsourcing, a deslocalização de empresas, os acordos de comércio livre, as novas tecnologias, a desregulação financeira, contribuíram sim, para o enriquecimento e poder de largas corporações à escala global e criaram também profundas clivagens entre grupos sociais, aprofundaram desigualdades, provocando ressentimento de tantas classes laborais condenadas ao desemprego e desvalorização profissional, e de onde têm vindo a surgir populismos, radicalismo e polarização política cavalgados por líderes medíocres e oportunistas por esse mundo além...

Questiona ainda que salários têm sido auferidos nas décadas mais recentes, que permitam a cada trabalhador sustentar-se e à sua família condignamente, de modo a sentir-se gratificado e valorizado pela comunidade onde se insere. E indica exemplos de profissões, atividades que embora fora do sortilégio dos génios da indústria financeira de Wall Street, trabalham na economia real, produzindo bens e serviços essenciais – e como esta pandemia lhes deu a ribalta! – cujos salários têm sido estagnados, cortados, reduzidos e incertas, adiadas, ou suprimidas expetativas de carreira, enquanto a sociedade cada vez mais os desvaloriza, em detrimento dos lucros e dividendos, tidos como legítimas e justas expectativas, por gananciosos acionistas de grandes grupos empresariais (alguns despediram dezenas de trabalhadores logo no início do confinamento). E os justos salários de quem trabalha, não serão também uma legítima expectativa? Poderá a resposta estar entre as políticas de avanços e recuos da solidariedade europeia, arrancadas a ferros e de má vontade?

Esta pandemia forçou-nos a olhar para muitas das tais profissões socialmente desvalorizadas, onde os trabalhadores não podem dar-se ao luxo do teletrabalho ou de reuniões via Skype ou Zoom, mas sem os quais a sociedade não sobrevive, - limpeza, recolha de lixo, auxiliar hospitalar, produção e distribuição alimentar, supermercados e armazéns de víveres, etc. – auferindo baixos salários, em regra o salário mínimo no nosso país, pondo a sua vida em risco, tal como os heroicos profissionais de saúde, para que nos pudéssemos confinar no conforto dos nossos lares...

Quando o tempo parece ser de consensual aligeirar do confinamento e gradual retoma da atividade económica, e tendo em conta o desespero dos milhões que perderam trabalho e não têm qualquer fonte de rendimento mas precisam de dinheiro para a conta do supermercado, se quisermos realmente fazer diferente, talvez fosse o momento de procurar reconfigurar a nossa economia e, repensar enquanto sociedade, a valorização do trabalho na proporção do seu contributo para o bem comum. Em primeiro lugar, apoiar a produção nacional de produtos essenciais – aprenda-se com o caso das máscaras, dos medicamentos, dos ventiladores – em vez de defender a sua deslocalização para países distantes, de mão de obra barata, sem direitos humanos, fonte de desigualdade, exploração laboral, e destruição ambiental, mas geradora de lucros obscenos de insaciáveis investidores. E, do ponto de vista moral e político, rever também os sistemas de taxação e tributação dos rendimentos do trabalho, das transações financeiras, dos ganhos de capital em termos de contributos para o Estado. O meu manifesto!

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