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Crónicas

Faz-me falta um café

Quando isto a acabar, já jurei e tudo, vou fartar-me do mar e do sol de tanto de ir à praia, assim como quando tinha 16 anos. E vou vestir a minha melhor roupa para beber um refresco numa esplanada, uma qualquer com vista e onde oiça o rumor das conversas dos outros. Não me vou queixar se o empregado for demasiado simpático, se for de falar muito e vier interromper-me a leitura só para saber se está tudo bem. Ou para saber se não quero antes um chá frio e scones.

Quero muito mudar a página, custa-me este desconfinamento gradual. A máscara tira o ar e não sei se, depois, serei capaz de reconhecer as pessoas, talvez aprenda sobre os olhos e os olhares. Nunca fui boa a descodificar, nem na adolescência quando se comunicava primeiro pelos olhos e as pessoas se dividiam entre as que faziam “olhinhos” e as que eram olhadas. E, as que, como eu, eram distraídas e estavam quase sempre em posição de fora de jogo.

Até uma cerveja com tremoços já me apeteceu, sim, num destes dias de calor, de céu muito azul. Enquanto martelava um texto no computador e os gatos dormiam nas costas do sofá, a imagem chegou-me: os amigos juntos, num café de bairro, com três conversas a correr ao mesmo tempo e alguém a pedir para a mesa mais um prato de petiscos, cinco imperiais e dois xandy. Em Lisboa, diz-se panaché e um deles é sempre para mim.

Não sei quando nos voltaremos a ver, frente a frente, nem há data para aquelas férias estrada fora. Tínhamos decidido que, este ano, seria aqui, estava a ver como nos íamos arrumar todos, mas na hora via-se. E a conversa seria de roda da mesa de jantar ou à volta do pequeno almoço, uma voz mais animada sobre as outras, que há opiniões muito vincadas, mas no fim ganha a amizade. E somos amigos há tantos anos que nem sabemos bem como era antes de nos conhecermos.

E a mesa da cozinha – só tenho uma mesa – vai continuar na cozinha, não sei quando volto a ter aquela agitação de a trazer para sala, de estender uma toalha e a loiça para um almoço para o irmão, o pai e a tia, que nem sempre me conhece. Ou um jantar de vizinhos e amigos, um traz a sobremesa, outro leva o vinho e todos trazem histórias para contar. Também não sei quando me vou sentar para almoçar, um almoço normal num restaurante comum, onde se vai para comer e, depois no fim, além da conta, pede-se um café. Eu tenho saudades de pedir o meu cheio e com adoçante.

Às vezes vem curto com adoçante, outras cheio e com açúcar ou do jeito que calhou a quem estava a tirar da máquina que, na pressa dos dias, falta vagar para pedidos esquisitos. Eu não sei como estão os outros. A mim faz-me falta isto tudo que escrevi mais um café cheio e com adoçante acabado de tirar. É isto, faz-me falta um café.

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