Há que refletir e aproveitar a oportunidade para a mudança...
De repente, à escala mundial, tudo mudou. Embora já tenhamos transitado do estado de emergência para o estado de calamidade, ainda não é necessário ir a correr para o trabalho, os pais continuam com tempo para estar com os filhos, é possível pôr a leitura em dia e, importantíssimo, a natureza recupera dos inúmeros malefícios provocados pelo ser humano. Não será necessária muita atenção, para perceber-se que a situação que o COVID19 provocou e que atualmente se vive, traz consigo o potencial de “despertarmos” para o essencial na nossa relação com a natureza e tudo o que dela faz parte. Muitas perguntas que nos deverão levar a profundas reflexões, ganham agora um lugar de destaque. Entre elas, surgem-me: 1.ª - O que seria do mundo empresarial sem o Estado, agora que até aqueles que sempre defenderam a sua diminuição e/ou pouca intervenção, lhe estendem a mão? 2.ª - O que seria da sociedade sem o Serviço Nacional de Saúde e todos esses heróis e heroínas anónimos que o constituem, que são os profissionais de saúde? 3.ª - O que seria da população que está em situação de sem-abrigo sem o contributo inestimável das associações que sempre lhes prestaram auxílio? 4.ª - Faz sentido valorizar com verbas astronómicas, desportistas profissionais, nomeadamente jogadores de futebol e outros, em lugar de valorizar aqueles que realmente são importantes? 5.ª - Faz sentido educar as crianças para a competição em lugar da cooperação? 6.ª - Explorar os recursos naturais do planeta como se fossem infinitos é uma atitude responsável? 7.ª - No estádio em que a humanidade se encontra, fará mais sentido o objetivo económico dos países ser o crescimento ou o decrescimento? 8.ª - É aceitável, a desconsideração a que os idosos são hoje sujeitos, sendo “arrumados” em lares? 9.ª - O momento em que vivemos não exigirá a implementação imediata do R.B.I. (Rendimento Básico Incondicional)? 10.ª - Deverá a agricultura ser incluída nos currículos escolares? Muitas outras haverá. Vou permitir-me responder sucintamente às que coloquei, na certeza, porém, que poderão existir outras respostas. Em relação às primeira e segunda, a resposta é que, se mesmo com a sua justificada existência as coisas nem sempre correm de feição, sem a sua presença, seria o caos. Em relação à terceira, temos de ter presente que a verdadeira almofada das pessoas em situação de sem abrigo, reside e sempre residiu nas instituições de solidariedade social que em cenário de pandemia ou não, estão sempre presentes. Já a resposta à quarta, está na insignificância que esse fenómeno artificial tem no momento em que vivemos, isto é, ninguém dá pela sua falta. Como resposta à quinta, bastará ver o tipo de sociedade que foi criada, onde o materialismo, o egoísmo e a hipocrisia reina. Só se progride com cooperação e é nesse sentido que as novas gerações devem ser encaminhadas. Já quanto às sexta e sétima, a menos que queiramos conscientemente caminhar para o suicídio coletivo, o modo como os recursos naturais são tratados é catastrófico. O economista e filósofo Serge Latouche que defende o decrescimento económico em lugar do crescimento, disse no contexto da crise económica e financeira mundial de 2008: “Atualmente, a crise que estamos vivendo vem somar-se a muitas outras, e todas se misturam. Já não se trata de uma crise económica e financeira, mas de uma crise ecológica, social, cultural, ou seja, uma crise civilizacional. Alguns falam de crise antropológica”. E continua “Já não possuímos democracia”, proclama, “Estamos dominados pela oligarquia económica e financeira que tem ao seu serviço toda uma série de funcionários que são os chefes de Estado dos países”. Em relação oitava, é obvio que é inaceitável que se confinem os idosos, como coisas descartáveis, em lares e asilos coletivos, que por mais bem tratados que sejam, significa que foram remetidos para a antecâmara da morte. Aqueles que mais sabedoria acumulam, são aqueles que a sociedade atual menos valoriza. A resposta à nona é, se algum governo precisava de um momento adequado para a implementação do R.B.I, tem-no na atualidade. O esperado fecho de inúmeras empresas e o consequente desemprego dai resultante, exige uma resposta que garanta um mínimo de dignidade à existência das pessoas. Já a décima pergunta remete-me para um episódio que se terá passado numa escola primária de uma grande cidade, onde um menino na sua inocência e perante a sua experienciação de vida numa sociedade postiça como a nossa, estava convencido que os legumes e as frutas vinham do supermercado...