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Comunhão – separação e medos covid19

Para uns pode ser uma experiência de medo banal, para outros, pânico, ansiedade e aflição. Temos aqui um fenómeno global nunca vivido assim em todo o mundo, ao mesmo tempo. Houve outras pestes, mas não tão universais. Medo de contágio e de contagiar; do aumento dos infetados no seu meio, cidade e país e nos países onde cada um tiver familiares. Enquanto o pânico pode descontrolar os comportamentos adequados. A ação e controlo das autoridades, governantes, pessoal da saúde e da Igreja, apesar de algumas ansiedades, organizou-se, aplicando conhecimentos e competências científicas que ajudam a mover-se em terreno mais conhecido e menos inseguro. Tenha-se em conta que o medo é normalmente focado num objeto; a pessoa sabe de que é que tem medo e procura fazer face a esse objeto. Contudo, aqui o medo de qualquer coisa, pouco conhecida, faz aumentar o medo, torna-o difuso e deixa o sujeito sem defesas. Quando não se conhecem os contornos do objeto do medo associa-se ao medo a ansiedade. O medo do desconhecido aumenta a insegurança e a incapacidade. Quanto mais desconhecido e nebuloso, menos defesas e mais. Os medos irracionais são mais frequentes nas crianças e em pessoas com menos conhecimentos do objeto que causa medo.

O Covid-19 é um agente complexo de medo. É invisível, desconhecido para a maior parte das pessoas; e mesmo para os cientistas não é bem conhecido. Por isso mete mais medo a muitos. Os medos que provoca são indiretos, complexos e movediços. Aumentam em razão dos males que provoca e diminuem na medida em que se sabe o que fazer para se defender das suas ameaças. Para aumentar o domínio das defesas e conhecimentos dos danos, dependemos todos de mediadores competentes. Do ponto de vista científico, os especialistas dão mais segurança quando há acordo entre eles, que nesta pandemia (ainda) não existe. A segurança e redução do medo são proporcionais aos níveis de controlo que os intermediários têm sobre o “bicho”. As quarentenas prescritas pelos cientistas dão alguma segurança. As crianças junto da mãe ou do pai ou, melhor, de ambos, e mais, se no seu colo, temem menos do que se distantes deles ou deixados sós, sem apoio de figuras paternas substitutas. A criança também se sente mais segura se pressentir que o pai e a mãe não têm medo nenhum, caso contrário, dão menos segurança e e ela fica ansiosa. Nesta pandemia somos crianças, todos um pouco. Por isso, nas notícias estamos mais interessados nos cientistas que noutras pessoas sem conhecimentos e sem poder de controlo sobre o objeto ameaçador. O maior medo do covid-19 é ele poder causar doença grave e morte; de uns poderem contagiar os outros. O medo torna-se recíproco: eu tenho medo que me infetes e que eu te infete; e tu terás medo de me infetar e de eu te infetar. A redução destes medos depende da confiança, dos conhecimentos e do sentido de responsabilidade que atribuímos às pessoas. Mas contam mais as expetativas de cura ou de morte. A intensidade do medo torna-se incontrolável perante expetativas quase certas de contágio, de gravidade da doença e dúvidas de cura. O medo é uma experiência muito dinâmica que pode mudar de momento a momento perante os graus de certeza/incerteza da morte. Não a dos outros, a minha.

Os cientistas darão segurança enquanto comunicam esperança de cura. Sem esperança de cura acaba o seu controlo e a segurança que dão. Neste caso só esperança doutro grau; só a da fé para além da morte. E só mediadores com convicções autênticas ajudarão a reduzir o medo e ansiedade. O problema está nas quarentenas com separação das pessoas significativas, familiares e amigos. Razão tinha aquele moribundo que me pedia: «não me deixe sozinho». Se Sartre acreditava que “os outros, são o inferno», dificilmente poderia ajudar ou ser ajudado? A mãe que toma por agressor o bebé do seu ventre que vai abortar, dificilmente dará confiança aos outros filhos dela ou doutra mãe? O vírus parece estar a pregar uma partida de mau gosto ao impor vidas separadas a egos que pretendem ilusoriamente ser independentes de todos, mesmo de Deus. O vírus veio lembrar que ninguém é auto suficiente, como se estivesse a repetir: se quereis “viver separados” sem depender de ninguém, rejeitando a comunhão com os outros, familiares, Deus: aí tendes, fiquem sós no isolamento! Mas isso merece outro artigo.

Aires Gameiro

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