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Vulneráveis, confinados mas cidadãos!

E de repente eis-nos resumidos ao consumo de bens essenciais: o que comer, como o homem primitivo

Um murro nas nossas certezas civilizacionais. Em plena era espacial, um organismo minúsculo, parecendo a recriação de narrativas medievais, ou cenários de filmes de ficção, vira o mundo do avesso, infeta, mata, traz-nos presos aos números diários dos hospitais, o campo de batalha. E porque da proximidade humana vem o maior risco de contágio, há que abster-se de contactos sociais, quando maior é a angústia, o medo, a necessidade do contacto humano. A ordem é fechar, encerrar, confinar-se nos domicílios, com ou sem condições, adultos e crianças, ricos e pobres. Até os sem abrigo. Estratégia de guerra. E lavar as mãos. E usar o bom senso higiénico e sanitário, antes do por máscara ou não... É tramado! Não há tratamento conhecido para a doença. Nada. E não há programa de computador, aplicação, plataforma ou antivírus eletrónico que garanta proteção e segurança, com o habitual clique das nossas rotinas digitais. Nada. Inevitável o ressuscitar de fantasmas, crendices e superstições latentes no imaginário. Também o alastrar da desconfiança que leva à rejeição e segregação dos infetados, como se culpados de qualquer crime fossem desejando colocá-los longe, à semelhança dos leprosos nos tempos bíblicos.

E de repente eis-nos resumidos ao consumo de bens essenciais: o que comer, como o homem primitivo. E mesmo para isso vão escasseando os recursos, porque com a economia parada, a muitos trabalhadores precários e informais acabou o contrato, a prestação de serviço e o rendimento. A estes não chegam o anunciado lay off, nem o subsídio de desemprego. Só a lucidez de responsáveis políticas de emergência social, cooperação institucional e muita solidariedade cidadã. O tempo é de intervalo. E não se sabe como a situação irá evoluir. Os especialistas, os técnicos, os políticos desdobram-se em previsões com base em modelos matemáticos, teorias e estudos académicos, mas não conseguem apagar o sentimento generalizado de incerteza, nem a sensação de estarmos a caminhar para uma incógnita na corda bamba, no escuro, sem rede, bússola, ou estrela polar, nem o digital GPS...

Quiséssemos aprender alguma coisa com esta dolorosa experiência, talvez pudéssemos interiorizar de uma vez por todas a espantosa dependência que temos uns dos outros para a nossa sobrevivência e resistência ao medo, à doença e à morte. Cooperar em vez de desconfiar, partilhar em vez de açambarcar.... Inclinar a cabeça à humildade... E assimilar também como é ilusório e condicionado, o sentimento de liberdade pessoal. E como o seu legítimo exercício está correlacionado com as circunstâncias, podendo por em risco a vida dos que nos rodeiam, se não incluir um sentimento de generosidade, de respeito, de dádiva para com o ser humano afetivamente próximo e todos os outros, a natureza, o meio que nos envolve, nos acolhe e nos dá as condições de vida que tantas vezes usufruímos inconscientemente, dando por adquirido e inamovível... Entender que o verdadeiro bem-estar é a salvaguarda do que nos faz humanos e livres – a dignidade, a cidadania. E disto, nunca lavar as mãos!

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