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Medos, barca, olival, Semana Santa e Codiv-19

Um colega psicólogo sugeriu-me que escrevesse sobre medo e angústia. O Papa Francisco em 27 de março 2020 centrou-se neste tema. Será que a oração ajuda face ao medos da pandemia? Medo da doença e de a vida se tornar difícil com as mudanças que a célula venenosa de ADN impõe. O medo maior é o medo de morrer com ela. A oração do papa teve forte impacto face às experiências de medo, fé e confiança em Jesus que ia a dormir na barca. «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Era ao entardecer e a noite caia e como agora «densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos», diz o papa. As mudanças impostas para escapar à morte, pesam sobre nós com medo de que «vamos perecer» (cf. Mc 4, 38). Será com este vírus? O medo de morrer atinge a todos, mais a uns que outros. Alguns entram em pânico, amedrontados, como os apóstolos.

E Jesus a dormir! E quando o acordaram surpreende. «Porque sois tão medrosos»? Que pergunta! O perigo era tão grande e Jesus a fazer essa pergunta. Diz um ditado: quem não deve não teme. E os apóstolos deviam? Jesus, não, de certeza. O que iria sofrer não era por ser culpado. Antes, no Pai Nosso, dizia-se: «Perdoai as nossas dívidas como nós perdoamos aos nossos devedores». Jesus dá a entender que o medo na barca se devia à falta de fé. «Ainda não tendes fé?» (Mc 4, 40). Que fé? Fé e confiança em Jesus que estava ali com eles e parecia não fazer nada. «Mestre, não Te importa que pereçamos?» (Mc 4, 38). Muitos, agora, também reagem com medo de que os infetados e suspeitos não se importem com eles, lhes peguem a doença e morram. Os infetados, com medo que familiares, amigos, instituições os abandonem, não os assistam nem curem e morram. Medo de se infetar, ser abandonado, e morrer com dívidas. A quem? A Deus Pai e a outros que ofenderam.

Nesta Semana, no Getsémani, vemos Jesus a orar, angustiar-se, a suar sangue, ser flagelado, zombado, coroado de espinhos e a morrer na cruz. E a perguntar por que foi abandonado do Pai. Antes, pediu ao Pai para O livrar do cálice de amargura, mas, confiante, queria cumprir a vontade do Pai. Ia morrer para nos salvar das culpas do pecado, das nossas dívidas, que só Ele podia pagar por nós que devíamos os 10 mil talentos, valor de mais de 100 mil salários (Mt 18, 24). A oração de Jesus no olival e na cruz ajuda a compreender a queixa dos apóstolos: «Não te importas que morramos» e as que se ouvem nesta pandemia. Eles tinham fé, como diz o Papa, até O acordaram para os salvar. Mas a confiança n’Ele não lhes anulava o medo da morte. Nesta pandemia, alguns chegam a queixas quase de blasfémia como se o silêncio de Deus fosse um não se importar. Jesus parecia mais que desimportado e silencioso, estava a dormir. A fé deles era verniz limitado a esta vida; no grande perigo acabava. Nas grandezas e suficiências, as pessoas são “deuses”, esquecidos dos irmãos mais pobres, doentes e frágeis. Confiam mais no que têm que em Jesus, com a ilusão de que vão viver aqui na fartura e desperdício, sem morrer. Estragam os bens da terra e aumentam as dívidas aos mais pobres e aumentam o medo de morrer. O grito: «acorda, Senhor»! não é só para salvar a saúde do corpo e não morrer. É já um grito a pedir que Ele cure todo o nosso ser e respondamos ao seu apelo de amor incondicional: «Convertei-vos...». Como? Neste fim de Quaresma, o Senhor diz-nos: «Arrependei-vos e acreditai no Evangelho». A conversão começa pelo ato de contrição do arrependimento dos pecados, dívidas a Deus e aos irmãos, com propósito de emenda e de pôr a confiança em Jesus que perdoa. Quem pede perdão, se confessa e é perdoada, viverá com menos medo de morrer e perder tudo numa calamidade. «O tempo de prova», diz o papa, é para, «decidir o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não o é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo ao Senhor, e aos outros». Tempo de acorrer ao essêncial como agora se repete. A história desta pandemia, diz o papa, está a ser escrita pelos: «médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho». Termino com a oração do papa: «pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade. Continua a repetir-nos: «Não tenhais medo!» (Mt 14, 27). E nós, juntamente com Pedro, «confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque Tu tens cuidado de nós» (cf. 1 Ped 5, 7) e nos amas para sempre. E vamos cuidando do essencial, como nos é pedido.

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