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O bezerro de ouro

Estou convicto que a recuperação pós corona da economia se fará, tal como aconteceu com a “troika” à custa dos mesmos

Einstein dizia que só existiam duas coisas infinitas, uma era a estupidez humana, a outra o universo, mas sobre o universo, ele não tinha a certeza absoluta. Se ele vivesse hoje, em tempos de neoliberalismo, possivelmente acrescentaria uma terceira, a ganância, ou talvez tivesse incluído a ganância na estupidez.

A ganância significa querer mais e mais, duma forma insaciável, nunca nada é o suficiente, 100 hotéis não chegam, são necessários 200, 300, qualquer que seja o número alcançado, haverá logo outro mais à frente, para ser atingido. Para prosseguirem esse objetivo, recorre-se a todos os meios, apropria-se do que é de todos, paga-se os mais baixos salários possível, criam-se situações de exceção que permitem construir onde não se poderia, ou ultrapassar os índices de construção, pois são gente de muitos amigos, que olham para o lado, como no caso do roubo das pedras, ou criam quando necessário legislação à medida para o errado passar a certo e o impossível se tornar fácil. Fazem-no, porém, com um ar de “santarrões”, sob a capa de beneméritos, de desenvolverem a economia (para quem?) e criarem postos de trabalho altamente perecíveis, ao dia, até à hora, com recurso sistemático a agências de trabalho temporário que pululam e parasitam, intermediando cada vez mais as relações laborais.

Estou convicto que a recuperação pós corona da economia se fará, tal como aconteceu com a “troika” à custa dos mesmos. As empresas mais frágeis fecharam, aumentando o contingente de desempregados, baixando consequentemente o custo da mão-de-obra e o número de empresas, permitindo a alguns gananciosos aumentar a quota de mercado e os lucros, saindo a ganhar com tudo isto.

Com um aplauso generalizado, Costa classificou, e bem, como repugnante a atitude da Holanda relativamente à Itália, contudo o mundo considera como “normais” as atitudes que referi. Com o neoliberalismo, toda a ganância, toda a exceção, toda a exploração é eufemística e piamente designada por “mercados”. Os mercados manipulam a disponibilidade de produtos, cartelizam preços, fazem todo o tipo de jogadas para que os gananciosos lucrem à custa dos outros, de nós. Para eles, abençoadas as crises, que serão uma “oportunidade” para aumentar os lucros nas contas das offshore, quanto pior melhor, quanto menos máscaras houver no mercado, maior será o lucro para quem as tiver. Veremos que percentagem do dinheiro da UE para a crise do covírus ficará para os bancos que intermediarão as operações. Tudo isto é considerado “funcionamento normal do mercado”. É normal, comprar cebolas a 30c e vendê-las a 2€. É normal e legítimo e não repugnante vender por 100€ uma t-shirt que foi produzida por uma operária no Bangladesh paga a 3 USD por dia. A heroína Merkel, “salvou” 1 milhão de sírios, com todo o mérito que isso implica, porém o que ela não disse a ninguém, foi que isso lhe deu muito jeito, que lhe permitiu “desnatar” a elite Síria e colmatar a absoluta necessidade de 400.000 qualificados por ano, para manter a economia alemã a funcionar, Quanto ao “rebotalho”, é outra história, Portugal com ele.

Na atual crise e com muita pena minha, parece-me que Costa “repescou” uma receita antiga do PS e arrisca-se a voltar a meter o socialismo na gaveta. Eu como Social-Democrata que sou, por mais que me esforce não entendo quando se decretou o plano de emergência, ao contrário da Itália e da Espanha, que se tenha proibido a greve, mas não os despedimentos. Não entendo porque se excluem os sindicatos no processo de elaboração da legislação laboral. Amigo Costa, quando Filipe Gonzalez, A Blair e a outros procederam de forma semelhante, deram-se mal. Pedia-lhe uma atenção especial para que na Administração Pública, a fiscalização funcione, para que os reguladores regulem, pois os gananciosos estão à solta cometendo impunemente toda a série de tropelias e os mercados são quem mais ordena, com a “ética” subjacente. Até Rio já manifestou a sua preocupação.

Na saída desta crise, tudo ficará na mesma quando poderia, ou antes deveria ser a oportunidade para questionarmos o modelo de sociedade em que vivemos e aquela em que pretendemos, ou quereremos viver, o que será verdadeiramente importante para a nossa qualidade de vida e felicidade. Atualmente adoramos “bezerros de ouro”. – “Gostava tanto de ter um Porsche...” Os gananciosos impingem-nos um estilo de vida em que “andar à moda”, ter 40 camisas e 20 calças, ter um carro da marca Y ou Z, fazer férias em sítios de nome impronunciável é que é importante, em que o ter e o parecer são mais importantes do que o ser. Para os gananciosos não há alimentos, há produtos manipulados geneticamente, para aumentar a produtividade, tratados com agro químicos de efeitos desconhecidos, produzidos a milhares de quilómetros, enquanto a produção sustentável e saudável do nosso vizinho fica na terra, porque a multinacional da distribuição alimentar só paga abaixo do custo de produção, porque para eles os produtos alimentares representam o mesmo que o sabão e têm de garantir um lucro de 200%, mesmo que à custa da saúde pública e da desflorestação para plantações de óleo de palma ou do desmatamento para criar pasto para o gado, tornando cada vez mais o planeta inabitável.

Penso que a mudança é inevitável mas não é possível ser decretada, terá essencialmente de partir de cada um de nós; temos de estar convencidos da necessidade de mudança, pois só faremos outras escolhas e teremos outros comportamentos, quando nos convencermos que este modelo de sociedade não é sustentável nem ecológico, amigo do ambiente nem da saúde, nem nos traz felicidade, quando constatarmos que nos fartamos de trabalhar para satisfazer falsas necessidades, encher a barriga aos gananciosos e acumular tralha, quando dissermos “não vou por aí” e recusarmos comer o que os gananciosos a sua cultura e publicidade nos quiserem “pôr no prato” querendo convencer-nos que é o melhor para nós, porque desse modo arranjaremos uma namorada mais bonita. Possivelmente se não gastarmos a maior parte dos nossos recursos no consumo desnecessário, o que ganhamos será suficiente ou teremos de trabalhar menos. Se uma parte maior dos nossos impostos forem para investir no SNS, não haverá necessidade de recorrer a ginásios e camas da tropa em caso de crise.

Quando grande parte de nós mudar, a sociedade mudará também. Quanto aos neoliberais, que ontem queriam menos Estado, é vê-los por aí, de mão estendida, à gosma do mesmo Estado, porque os lucros são privados, mas o prejuízo é público e uns dinheirinhos do estado dão sempre jeito. À primeira contrariedade despedem à pressa os trabalhadores que os ajudaram a enriquecer, para logo de seguida pedirem Lay-off. Adivinhem quem no futuro pagará este pato.

Criaturas destas, depois de ganharem dezenas ou centenas de milhões à custa do erário público, para disfarçar, podem sempre “dar uma” de beneméritos e oferecer dois ventiladores ao SRS.

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