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Análise

Emergência sem atropelos nem omissões

Ninguém da minha geração nem das anteriores se recorda (teremos de ir muito lá atrás) de ter passado por tamanha privação. Os tempos são de adaptação a novas realidades. É como se tivéssemos rasgado o livro de instruções que nos tem norteado durante séculos. As certezas adquiridas e as rotinas passaram para segundo plano. Perante o ‘monstro invisível’ tudo se altera, tudo se transfigura. A luz está ao fundo do túnel, como disse o primeiro-ministro, mas nós ainda não a conseguimos ver. Para nosso desespero, confinados a espaços que não foram concebidos para permanecermos tanto tempo dentro deles. Primeira certeza: nada será igual daqui para frente: objectivos de vida, trabalho, férias, política, relações pessoais.

A emergência é global, não circunscrita a nenhum território específico. Estamos todos no mesmo barco, como sublinhou em boa hora o Papa Francisco. E o barco precisa de tanto e precisa de todos. Já. Para que mantenhamos dignidade, para que no limite sobrevivamos às provações do vírus que impõe tantas mudanças à nossa vida. O caminho das pedras que a humidade trilha é temerário e imprevisível. Já percebemos que temos de estar unidos na luta contra a covid-19, que temos de arranjar respostas para as consequências nefastas provocadas pela paralisação social. Se ninguém estava preparado para o que aí vinha, apesar de toda a evolução tecnológica e científica, a reacção à crise tem de ser musculada para evitar o caos e o empobrecimento generalizado da população. As “medidas excepcionais” têm de ser realistas e céleres para que ninguém passe fome, para que ninguém fique sem o seu trabalho, a sua actividade. Para que a esperança sobreviva num mar de incertezas. Na contabilidade geral há vários itens a ter em conta e todos têm de ser solidários. Do Estado à banca, que deve muito aos portugueses, que se esfalfaram a contribuir financeiramente para a sua sobrevivência. Os bancos não podem querer retirar dividendos com a crise. Ninguém pode, porque é imoral, é ingrato e inaceitável. Chegou ao momento de retribuírem os milhões gastos para amparar gestões danosas, ainda a contas com a Justiça.

Situações excepcionais são suportadas por medidas excepcionais, mas que não se faça tábua rasa do bom senso e da Lei. O estado de emergência não é um salvo-conduto para hipotecar direitos essenciais, nem suspende a democracia. Nenhum governante deve afirmar – por mais irritado que esteja - que se está nas tintas para a lei. Nenhum governo pode ensaiar o momento para limitar o acesso à informação. Estado de emergência requer medidas draconianas, mas atenção: há balizas intransponíveis. Sejamos poupados a exercícios irreflectidos, que obrigam a recuos e explicações infantis na recolha dos ‘cacos’. Sejamos, ainda, mais poupados ao ruído que os serviçais partidários continuam a fazer nas redes e em blogues domésticos. Concentremo-nos no essencial, na verdade dos números, na mensagem séria e honesta. A Região tem estado bem nas medidas preventivas, na antecipação do problema. Mas, cuidado, o tempo não é da trica política, mas de líderes que governem com equilíbrio. Respeite-se as instituições e o trabalho dos que estão na linha da frente nos hospitais, que labutam com todo o tipo de faltas. Respeite-se também os que têm por missão informar, com rigor, o que se passa no país e no mundo. O papel dos órgãos de informação não pode ser restringido nem encarado como prescindível. De forma alguma. E não se confunda propositadamente a lixeira difundida em sítios anónimos e no Facebook com jornalismo. Recuemos à célebre tirada de Thomas Jeffersson, que antes de se tornar o terceiro presidente dos EUA, em 1787, disse: “Se tivesse que escolher entre um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria em preferir a segunda hipótese”.

Em tempo de guerra temos de estar unidos, mas essa união não é sinónimo de submissão ao atropelo, à mentira ou à omissão de factos e dados com interesse público. O escrutínio é mais necessário que nunca. Continuaremos atentos!

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