Relatório alerta para risco de combate às ‘fake news’ que poder servir para censura nos media
O relatório da Plataforma do Conselho da Europa para promover a Protecção do Jornalismo, hoje divulgado, alerta para o risco de medidas de combate à desinformação (’fake news’) poderem ser utilizadas para aplicar “censura” nos media.
O relatório anual das organizações parceiras da Plataforma do Conselho de Europa, denominado de “Hands off press freedom: Attacks on media in Europe must not become a new normal” [numa tradução livre “’Tira as mãos’ da liberdade de imprensa: Ataques aos media na Europa não devem ser um ‘novo normal’”], faz um balanço do setor no ano passado.
No tópico sobre censura no contexto de ‘fake news’, contraterrorismo e prestação de contas dos governos, o relatório alerta que, “por trás da capa de propósitos alegadamente legítimos, leis e medidas administrativas alegadamente destinadas a combater ‘falsas’, ‘insultuosas’ e outras notícias ‘prejudiciais’ poderão levar à censura e à supressão do pensamento crítico”.
Muitas vezes “redigido em termos vagos e excessivamente amplos, falta-lhes a previsibilidade legal requerida e pavimentam o caminho para uma aplicação arbitrária ou abusiva, por vezes por uma única autoridade administrativa”, prossegue o relatório.
Por vezes, “ignoram a necessidade de procedimentos de salvaguarda”, como a análise por uma entidade independente ou judicial, refere.
“Vários alertas em 2019 destacaram o crescente esforço das autoridades estatais em censurar conteúdo considerado falso, enganoso ou prejudicial, no contexto de segurança nacional e ordem pública. Em muitos destes casos, as autoridades reivindicaram o direito de determinar quais as informações adequadas para imprimir ou transmitir, invocando ‘o combate contra as ‘fake news’”, aponta o relatório.
A legislação introduzida na Federação Russa em abril de 2019 “permite que os tribunais sancionem aqueles que usam a Internet para espalhar ‘fake news’ ou mostrar ‘desrespeito pela sociedade, Estado, [e] símbolos do Estado’, e bloquear ‘websites’ que publiquem” informação ofensiva. A legislação concede ao regulador dos media Roskomnadzor poderes amplos para determinar o que são ‘fake news’ [notícias falsas], sem revisão judicial independente”, adianta.
Na primeira sanção sob esta legislação, o jornalista Mikhail Romanov foi multado depois de ser considerado culpado de “abuso de liberdade de expressão ao publicar notícias falsas que representam uma ameaça ao público”, na sequência de ter noticiado que agentes do Serviço de Segurança Federal tinham torturado um académico, conta o relatório.
A sua multa foi retirada em dezembro, num recurso da decisão, por “falta de provas suficientes”.
Num outro caso, o regulador Roskomnadzor ordenou a retirada de vídeos ‘online’ que mostravam protestos nas ruas de Moscovo com o argumento de que era “publicidade de manifestações não autorizadas”.
Na Turquia, por exemplo, em 11 de outubro passado, os promotores turcos declararam uma proibição abrangente, sob a capa das leis antiterrorismo, relativamente às notícias sobre a ação militar de Ancara no norte da Síria, ameaçando processar todos aqueles que ponham em risco a segurança ou paz social no país com “qualquer tipo de notícia sugestiva numa publicação, televisão ou redes sociais”. Dois editores de media ‘online’ foram detidos nesse dia.
Dois jornalistas estrangeiros da Bloomberg, que escreveram artigos a descrever como é que as autoridades turcas e bancos estavam a responder à enorme desvalorização da lira turca, foram detidos e acusados de partilhar “informações falsas, erradas ou enganosas” para afetar o mercado.
Outro dos exemplos aconteceu na Albânia: em 01 de dezembro, o primeiro-ministro albanês, Edi Rama, ordenou à autoridade reguladora dos media para que bloqueasse portais ‘online’ de notícias com o argumento de que estavam a divulgar “notícias falsas que induziam a pânico”, na sequência de um grande tremor de terra no país.
A Plataforma do Conselho da Europa para promover a Proteção do Jornalismo e Segurança dos Jornalistas inclui entre os seus parceiros a Federação Europeia de Jornalistas, a Federação Internacional de Jornalistas ou os Repórteres Sem Fronteiras (RSF), entre 14 entidades.
A Plataforma foi criada pelo Conselho da Europa em 2015, “em cooperação com importantes organizações internacionais ONG ativas no campo da liberdade de expressão e associações de jornalistas, para facilitar a recolha e disseminação de informações sobre ameaças graves à liberdade de imprensa e segurança”.