Trepar o Evereste ... nús!
Andei a atrasar este texto porque sempre que começava ficava com a sensação que escrevia banalidades. Não era o banal que não encaixava no contexto, era mesmo a banalização opinativa perante uma tragédia que vimos afectar o maior direito absoluto de todos, a vida humana. Indiscutível porém, é que, aos poucos, temos de nos preparar para o futuro próximo. E nesse futuro, no pandemónio de incertezas que navegamos, emerge uma verdade incontornável: há uma crise social e económica à porta cuja dimensão também dependerá da nossa capacidade de atuação, da solidariedade nacional e europeia e da escolha dos mecanismos para contrariar o ciclo negativo que teremos de encarar. De resto, precisaremos de gente ao comando, que nos inspire e que nos mobilize para os dias difíceis, lideres verdadeiramente capazes. Não é uma equação impossível, mas é o desafio desta geração. A tendência será sempre procurar nas receitas antigas as soluções para uma nova realidade porém, parece-me mais pertinente começar pelo fim : queremos ultrapassar a crise ou ir além dela? No espírito épico que Camões tão bem amplificou dos navegadores portugueses. Mas como? Edificando uma região mais resiliente, mais sustentável e não hesitando em rupturas há muito identificadas. Fazendo o que já devia ter sido feito, e acrescentando o que nunca se imaginou fazer . Não é só o “fora da caixa” . É fora da arca imensa que nos conduziu até onde estamos . Tudo isto para construir uma região que resiste, que tem rede de proteção, que é solidária e menos dependente, verdadeiramente autónoma. No fundo, quid deceat, quid non!
Será esta vontade apenas uma quimera ? Talvez não !
Mas hoje não respondo a quase nada, tenho antes de pensar em todas as perguntas.
Em primeiro lugar, a pergunta que todos fazem é onde existirão os meios para o que é preciso fazer? Infelizmente, as soluções não são fáceis. Tornam-se ainda mais complexas na realidade financeira da RAM. Sabemos que atravessou uma crise profunda, com origem num endividamento colossal, que penaliza ainda a economia e prejudica os cidadãos . Só para termos uma ideia, em 2019 o serviço da dívida foi de 451 milhões de euros , foi quase 10% do PIB. Uma enormidade. Para 2020 estão previstos nada mais nada menos que 371 milhões! A dívida bruta da RAM em 2019 ( últimos dados oficiais ) era de 4 662,8 milhões, e é bem sublinhar que nos últimos 4 anos a RAM apresentou sempre superávit. Os Açores apesar de terem uma dívida bruta que é menos de metade da dívida da Madeira ( 1 956,6 milhões) teve sempre défices desde 2016.
É fácil perceber quais os resultados de acrescentar dívida a esta dívida, e assim sendo não há outra solução que não seja reunir esforços, criatividade e capacidade de diálogo, mas também de negociação, para obtermos o que precisamos, a nível nacional e europeu. É claro que estamos em suspenso sobre o que fará o país, mas sobretudo a UE. Por enquanto as decisões são ( apenas) para o combate de curto prazo . Sabemos que não chega e que sem “ coronabonds”ou, para ser mais grosseiro, solidariedade de todos os membros, será como trepar o Evereste completamente nús .
Mas, mesmo assim há escolhas a fazer, decisões a tomar e caminhos que podem começar a ser trilhados . Sem plano não há orientação. Sem orientação haverá desperdício , perda de oportunidades e ausência de foco geral.
Não ter todas as resposta significa que temos de preparar todos os caminhos possíveis . Mesmo que faltem variáveis, temos de definir todas a equações. Mesmo que não dependa só de nós, temos de fazer o que depende de nós. O financiamento para o arranque da economia regional, e da sua recuperação, depende da nossa capacidade de reacção e competência.
Antes de optar por endividamento puro e duro, há que analisar as possibilidades, os impactos dessas ações e a solidariedade obtida.
Um plano de meios implica saber quem pode contribuir mais. Que agentes económicos beneficiaram mais do progresso regional e podem estar disponíveis a retribuir?
Quais os meios europeus disponíveis? Esta é uma variável muito importante, e decisiva, porque as condições da RAM, antes da pandemia, já indicavam condições para o reforço significativo desses meios. Significa passar de 740 milhões de meios da UE para pelo menos mais de 1100 milhões. Mas também na mudança das condições de aplicação no quadro das RUP,s ( regiões ultra periféricas ) favorecendo, por exemplo, os níveis de co-financiamento.
Além disso, é preciso aproveitar todas as disponibilidades do BEI, com critério de sustentabilidade de investimentos, designadamente na requalificação urbana, onde as zonas altas do Funchal deviam merecer o maior projeto da história da Madeira.
Mas também há os meios de gestão centralizada, onde a I&D assume particular importância.
Há ainda instrumentos financeiros disponíveis como os climate bonds, uma geração de títulos de dívida associados a projetos do ambiente e energia em que a Região poderia estar na linha da frente.
Quanto ao endividamento, no quadro da recuperação pós covid, devia, pelo menos, estar previsto a existência de garantias do estado, reduzindo custos e exigências.