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Covid-19 impacta agenda política e estabilidade na América Latina

Foto Shutterstock
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O avanço do coronavírus na América Latina teve impacto direto na agenda da região ao adiar eleições, suspender reformas, cancelar lutas sociais, afetar a governabilidade e alterar o mapa político regional com consequências ainda imprevisíveis sobre governos.

Sem o vírus, os chilenos votariam domingo para eleger uma Assembleia Constituinte que teria a missão de redigir uma nova Constituição, principal exigência das maciças manifestações populares dos últimos meses.

No entanto, a votação foi adiada por seis meses, para 25 de outubro. As eleições para legisladores e governadores previstas para 25 de outubro passaram para o dia 11 de abril de 2021.

“O coronavirus ocupou a agenda. O plebiscito e as manifestações passaram para o segundo plano. A crise económica será muito mais imediata e direta do que os problemas da Constituição”, diz à agência Lusa o sociólogo e analista político chileno, Patricio Navia, professor da Universidade de Diego Portales (Chile) e da Universidade de Nova Iorque (EUA).

Anteriormente encurralado pelos protestos, o Presidente chileno Sebastián Piñera ganhou espaço para governar, em que a presença das Forças Armadas nas ruas, antes criticada pela população, agora transmite segurança.

“Piñera aproveitou a oportunidade para mudar o eixo do debate, mas é cedo para cantar vitória”, considera Navia.

Na Bolívia, as eleições gerais previstas para daqui a uma semana, em 03 de maio, foram canceladas sem que haja ainda uma nova data. Com isso, adia-se uma definição política no país que continua em transição.

O governo interino de Jeanine Áñez conduz o país desde a renúncia de Evo Morales em 10 de novembro. Todos os mandatos de governadores e legisladores estão vencidos desde 22 de janeiro.

“O país está num limbo à espera de uma definição. E com o cancelamento das eleições gerais, também foram canceladas as eleições municipais marcadas para dezembro”, sublinha à Lusa o analista político boliviano, Raúl Peñaranda.

As eleições gerais no Equador só vão acontecer em fevereiro de 2021, mas a presidente do Conselho Eleitoral, Diana Atamaint, solicitou Ao Tribunal Constitucional que analise a possibilidade de adiar o escrutínio.

A cidade equatoriana de Guayaquil, onde se concentram 71% dos casos de coronavírus no país, é hoje a “Wuhan da América Latina”, numa referência à cidade chinesa onde o surto foi registado pela primeira vez.

Em Guayaquil não há lugar para os mortos nos cemitérios nem para os vivos nos hospitais.

O quadro dantesco passou a questionar a governabilidade do Presidente Lenín Moreno.

“O Parlamento insinuou que poderia destituir o Presidente, que também insinuou que poderia dissolver o Parlamento. As ameaças não se concretizaram, mas estão latentes”, avalia à Lusa o cientista político equatoriano, Simón Pachano, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO).

A Constituição equatoriana possui a chamada “morte cruzada”, uma disposição pela qual o Parlamento pode destituir o Presidente se houver um clima de convulsão social e política.

São necessários 2/3 dos legisladores, algo difícil de se conseguir, porém, o Presidente também pode dissolver o Parlamento se bloquear a ação de governo, o que é mais fácil de se conseguir.

Na Venezuela, a pandemia anulou o plano do Presidente interino, Juan Guaidó, que tinha uma agenda para ganhar novamente as ruas em grandes manifestações populares contra o regime de Nicolás Maduro, mas este decretou uma quarentena e proibiu aglomerações.

Com a quarentena, os venezuelanos que pensavam abandonar o país, tiveram de interromper o êxodo. E milhares dos que tinham saído precisaram voltar por se encontrarem, em plena pandemia, numa situação de precariedade social em países vizinhos como Peru, Colômbia e Equador.

“O coronavírus impactou na agenda da oposição, mas não fortaleceu necessariamente. Existe no país uma falsa sensação de calmaria. O conflito político está latente, mas passa a segundo plano perante o problema do vírus”, observa Simón Pachano.

No Brasil, não se fala mais na agenda de reformas estruturantes, uma ideia fixa do Presidente Jair Bolsonaro, que perdeu balanço à medida que perdeu o apoio de legisladores e governadores.

A pandemia chegou ao Brasil justamente quando o governo Bolsonaro avançava com as reformas administrativa e tributária.

“O que tem acontecido no Brasil são duros golpes na força e na credibilidade do governo. Tudo entra em crise quando o vínculo com o Parlamento se fratura. Com essa instabilidade, as reformas perdem impulso e a agenda fica congelada”, aponta à Lusa o sociólogo e analista político argentino Ariel Goldstein, especializado em política brasileira.

“O estilo de polarização permanente de Bolsonaro pode funcionar em tempos normais, mas em tempos excecionais, quando se demanda união nacional, é um problema que paralisa”, conclui Goldstein, autor do livro “Bolsonaro, a democracia do Brasil em perigo”.

Na Argentina, o debate pelo Aborto foi cancelado. O vírus chegou ao país quando o governo estava quase a enviar um projeto de lei ao Parlamento que, desde então, não se reúne.

A pandemia levou o governo argentino a abandonar o esforço de equilíbrio fiscal, complicando, assim, as negociações com os credores privados para evitar um ‘default’ total da dívida.

O novo coronavírus prejudica as hipóteses argentinas de sucesso nessas negociações e deixam o país à beira do abismo financeiro.

“O principal problema da Argentina é que as péssimas condições macroeconómicas do país, agravadas pelo contexto do coronavírus, são as que depois darão valor a esses novos títulos públicos. Se eu fosse um credor, além de observar a proposta, eu avaliaria a credibilidade do país que piorou”, explica à Lusa o economista argentino Marcelo Elizondo.

Para ajudar à tempestade, a Argentina acaba de anunciar que, devido ao novo coronavírus, abandona as negociações, atuais e futuras, do Mercosul para acordos de comércio livre com outros países e blocos.

Uma decisão que trava o avanço dos demais membros da organização: Brasil, Paraguai e Uruguai.

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