Falta de camas nas UCI e manter Lombardia aberta podem explicar números em Itália
A falta de camas nas unidades de cuidados intensivos (UCI), não encerrar de imediato Lombardia e o tratamento de idosos em casa são alguns dos dados apontados para explicar os números de infectados e mortos em Itália.
No momento em que Itália se prepara para sair do primeiro e mais extenso confinamento pelo novo coronavírus do Ocidente, há cada vez mais informação de que algo correu mal e que começou agora a ser estudado, refere a Associated Press (AP).
“Fazendo uma retrospectiva, deveríamos ter fechado totalmente Lombardia: todos ficarem em casa e ninguém sair para lado nenhum”, disse, citada pela AP, Andrea Crisanti, microbiologista e virologista, que aconselha o Governo regional do Veneto.
O especialista reconhece o quão difícil isso foi, tendo em conta o “grande papel” da Lombardia na economia da Itália. “Provavelmente, por razões políticas não foi feito”, disse.
Segundo a AP, existem evidências de que a “demografia e os deficientes cuidados de saúde, em conjunto com os interesses políticos e económicos, fizeram com que ficassem expostas 10 milhões de pessoas, particularmente as mais vulneráveis que estavam em lares de idosos, na região norte da Itália, Lombardia”.
Após os primeiros casos em Itália, as unidades de cuidados intensivos da Lombardia encheram-se em poucos dias, pelo que muitos médicos dos cuidados primários tentaram tratar e monitorizar os pacientes em casa, colocando alguns a oxigénio.
Essa estratégia “mostrou-se fatal”, já que muitas pessoas morreram em casa ou logo após serem hospitalizadas, tendo esperado demasiado tempo para chamar uma ambulância.
Por outro lado, os médicos também não tinham orientações sobre quando admitir os doentes ou encaminhá-los para especialistas e não tinham o mesmo acesso a equipamentos de protecção que os hospitais.
Itália foi forçada a recorrer ao apoio domiciliário, em parte por causa de sua baixa capacidade na UCI.
Depois de vários anos de cortes no orçamento, Itália entrou numa pandemia com 8,6 camas na unidade de cuidados intensivos por 100 mil pessoas, abaixo da média de 15,9 nos países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
Na fase inicial, como os laboratórios da Lombardia não tinham capacidade para processar mais análises, só os pacientes que tinham sintomas mais graves é que estavam a ser testados, por isso, os médicos de família não sabiam se estavam infectados, muito menos os seus pacientes.
Cerca de 20 mil médicos italianos foram infectados e 150 médicos morreram.
Dois dias depois de Itália registar o seu primeiro caso na província de Lodi, na Lombardia - o que levou a aplicar uma quarentena em 10 cidades - surgiu outro caso positivo em Alzano, na província de Bérgamo, a mais de uma hora de carro.
Em 2 de Março, o Instituto Superior de Saúde recomendou que Alzano e as proximidades de Nembro, fossem fechadas, assim como a província de Lodi.
No entanto, as autoridades políticas nunca implementaram essa recomendação, permitindo que a infecção se espalhasse por uma segunda semana até toda a Lombardia ser totalmente fechada, em 7 de Março.
Questionado sobre o porquê de não ter fechado a província de Bergamo mais cedo, o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, argumentou que o Governo regional da Lombardia poderia tê-lo feito por iniciativa própria.
O presidente da Câmara da Lombardia, Attilio Fontana, disse, citado pela AP, que se houve um erro “foi cometido por ambos”.
“Não acho que tenha havido culpas nessa situação”, disse.
A Lombardia possui um sexto dos 60 milhões de habitantes da Itália e é a região mais densamente povoada.
A Lombardia também tem mais pessoas com mais de 65 anos do que qualquer outra região, bem como 20% dos lares de idosos em Itália, uma “bomba-relógio demográfica para infecções por covid-19”.
Os virologistas e os epidemiologistas dizem que o que correu mal será estudado durante anos, uma vez que o surto sobrecarregou um sistema médico considerado um dos melhores da Europa, adianta ainda a AP.
Os sindicatos e os presidentes de câmara de algumas das cidades mais atingidas da Lombardia dizem agora que o principal grupo de ‘lobby’ industrial do país, Confindustria, pressionou as autoridades a resistir ao encerramento da produção, alegando que o custo económico seria muito grande numa região responsável por 21% do Produto Interno Bruto (PIB) de Itália.