Juízes de instrução vão poder decidir sobre menores em casos de violência doméstica
Os juízes de instrução criminal que decretem medidas de coacção a agressores em casos de violência doméstica vão poder também tomar medidas provisórias de carácter cível e relativas a menores envolvidos nos processos, como a sua guarda parental.
As mudanças no regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência de vítimas foram hoje aprovadas em Conselho de Ministros e anunciadas pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, em conferência de imprensa.
As alterações introduzem a possibilidade de inquéritos sumários por parte das autoridades policiais que tomem conta das ocorrências com o objectivo de “obtenção de prova que permita saber das condições de vida do agregado familiar e que facilitará depois a avaliação do risco daquela vítima”.
Pretende-se com isto melhorar a “avaliação do risco nas primeiras 72 horas”, um “espaço temporal” que “foi sempre lido como crítico e essencial para se garantir uma protecção efectiva das vítimas de violência doméstica”, avaliando também o risco “que efectivamente aquela vítima tem de revitimização” disse a ministra.
Francisca Van Dunem justificou as medidas hoje aprovadas com a necessidade de corrigir atuais “dificuldades” relacionadas com a circunstância de “os factos atinentes à violência doméstica” serem avaliados por “tribunais diferentes”: por um lado, por tribunais criminais que avaliam a “dimensão criminal” dos factos e, por outro, pelos Tribunais de Famílias e Menores.
“Isto gera por vezes incongruências ao nível da resposta do Estado”, observou a ministra, referindo, a título de exemplo, que por vezes o tribunal criminal determina o afastamento do agressor e o acolhimento da vítima numa casa de abrigo, mas depois o agressor, na qualidade de pai, vai ao Tribunal de Família e Menores e obtém autorização para visitar os filhos (vítimas), ficando ainda com a indicação da casa onde estes estão recolhidos.
Face a estas “incongruências”, a ministra explicou que procurou-se durante algum tempo “colmatar estas dificuldades” através de “contactos informais” entre os tribunais intervenientes no caso de violência doméstica, mas “percebeu-se que isso não funcionava”, sendo preciso um “mecanismo de resposta mais efectivo”.
O que se pretende é que esse juiz “possa não só aplicar as medidas de coacção, como também possa decidir provisoriamente todas as medidas relacionadas com os menores, se eles existirem, nomeadamente as responsabilidades parentais, ou, por hipótese, quaisquer outras necessidades que aqueles menores tenham em matéria de protecção e promoção”, para além de poder “decretar medidas cíveis, provisórias”.
“Com este conjunto de medidas consideramos que melhorarmos ao nível da prevenção, quer ao nível da repressão”, disse a ministra da Justiça.
Francisca Van Dunem referiu que estas medidas “não implicam uma alteração orgânica” dos tribunais, nem devem obrigar a uma formação específica dos juízes, que passaram a ter a área da violência doméstica abrangida pelas formações iniciais e formações contínuas.
As medidas provisórias decretadas pelo juiz de instrução criminal vigoram por três meses, “destinam-se a acautelar a situação naquele momento”, sendo depois comunicadas e reapreciadas pelo juiz do tribunal competente, explicou ainda a ministra da Justiça.
O diploma prevê ainda uma “melhoria da base de dados da violência doméstica”, sob a tutela do Ministério da Administração Interna, e que vai passar a integrar informação do sistema informático da Justiça Citius, da Procuradoria-Geral da República, da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) e da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Francisca Van Dunem sublinhou que “são dados com natureza muito diferente”, que vão permitir perceber aspectos como tipologias de agressores, de vítimas, situações de reincidência, entre outros aspectos que vão poder ser trabalhados de forma integrada.
“Será uma base mais completa que vai permitir uma melhor radiografia do fenómeno e ter dados quantitativos e qualitativos mais apurados para poder trabalhar internamente e para fornecer informação mais fiável às organizações às quais temos que prestar reporte em função da pertença de Portugal”, disse Van Dunem.
A ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, sublinhou que as alterações vão permitir seguir um caso do princípio ao fim.
“Essa capacidade de seguir um caso é muito relevante para as instituições e para uma definição de medidas de política”, disse.
Ambas as ministras disseram que apesar de não haver dados que apontem para um aumento do número de casos de violência doméstica durante o período de emergência em comparação com o período homólogo, a experiência comparada com outros países deixa antever a possibilidade de muitos casos só serem reportados quando começarem a ser levantadas as medidas de restrição.