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Crónicas

Sozinhos em casa...

É tempo por isso de darmos uma resposta cabal do que somos enquanto pessoas, como comunidade, País e União Europeia

E de repente tudo mudou. A nossa forma de viver, as relações, os métodos, as formatações e até os objectivos. Quem diria... Esta é por isso, sem qualquer tipo de dúvida, a batalha das nossas vidas. Não apenas contra a doença ou o vírus que a muitos acometerá apenas sintomas ligeiros, que deixarão poucas marcas físicas. Acima de tudo uma batalha da nossa reconstrução, um teste de enorme dificuldade a nível pessoal, às nossas capacidades emocionais, à maturidade que demonstramos num cenário de crise mas também como comunidade, na forma como nos relacionamos com os outros, no altruísmo da sociedade e na capacidade de sairmos deste buraco minimizando os danos, aprendendo com a lição e daqui partindo mais fortes e unidos para dar valor ao que realmente interessa.

Ao mesmo tempo temos que arranjar forma de nos fecharmos em casa, de não estarmos com quem mais gostamos, de nos abstraímos de fazer o que queremos, de nos limitarmos nas nossas próprias liberdades e de nos agarrarmos ao caderno e à calculadora para fazermos contas à vida. Percebermos como “sairemos daqui vivos” se vivos daqui sairmos... Fugir à doença e tentar não morrer da cura. Protegermos os nossos não lhes podendo dar a devida assistência. Estamos por isso entregues a novas variáveis e a um futuro que permanece uma verdadeira incógnita, o que não deixa de ser um terror para quem está habituado a ter a sua vida organizada e para quem tinha programados objectivos concretos a curto e a médio prazo, que podem com esta pandemia ficar irremediavelmente trancados na gaveta dos sonhos.

É tempo por isso de darmos uma resposta cabal do que somos enquanto pessoas, como comunidade, País e União Europeia. Como pessoas porque estamos postos à prova naquilo que é a nossa essência com alterações profundas na nossa zona de conforto. Será por isso uma excelente oportunidade para nos reinventarmos, fazer uma introspecção e darmos valor ao que realmente importa. Percebermos com esta aparente solidão o quanto somos mais fortes, juntos e unidos, a importância de termos tempo para nos dar-mos tempo, para fazer aquilo que tanto sonhámos fazer e não deixarmos para depois. Entendermos que a vida é curta e num ápice tudo pode mudar. Darmos mais valor aos que nos rodeiam, ao que construímos com os nossos e com eles partir (quando tudo isto acalmar) numa maravilhosa viagem pela vida, essa que não espera por nós e nos atropela quando achamos que temos tudo controlado. Não permitirmos que seja tarde demais , assolapados pelo nosso trabalho e com as prioridades trocadas. Que este isolamento nos dê fome de viver, de sermos melhores e de agarrarmos o Mundo com as duas mãos.

Mas também como comunidade e País. Nação valente e imortal. Quem nos conhece sabe que somos dos vizinhos e das causas. Que nos erguemos perante as dificuldades e é nestes momentos que mais demonstramos o nosso altruísmo. Que saibamos crescer novamente em conjunto, apoiar os que mais vão precisar, habituarmo-nos a comprar português, pôr de lado invejas e percebermos que é ajudando os da esquina e do bairro que nos ajudamos a nós. Quanto mais cedo nos levantarmos enquanto comunidade melhor ficará cada um. Outros países podem ser mais ricos, organizados e desenvolvidos mas eu tenho muito orgulho em ser português, nas suas tradições e no jeitinho de ser tão característico. Não trocava viver aqui por nenhum outro lugar do planeta. Nós somos dos afectos, da cumplicidade e da amizade.

Tenho ao mesmo tempo muito gosto em ser europeu. Em fazer parte de um projecto que teve na sua génese a paz, o crescimento comum e a solidariedade. Não espero por isso da União Europeia nada menos do que mostrar na altura mais crítica desde a sua fundação aquilo para que tantos lutaram. Espero que este primeiro momento de desespero em que cada um por si se preocupou mais com os seus países do que com a União venha a desaguar num espirito de missão e entreajuda. Mais do que nunca a Europa tem que fazer a sua parte. Está em causa a sua sobrevivência e com ela a nossa democracia, prosperidade, a paz e o progresso. Não seremos mais fortes sozinhos. Não é tempo de voltar para trás nem de voltar costas a ninguém...

P.S. A todos os que se sentem sozinhos uma palavra especial. Como disse o Papa Francisco estamos juntos no mesmo barco e em breve abraçados outra vez. É tempo de travarmos este inimigo. Expulsá-lo-emos com a mesma força com que ele entrou nas nossas vidas e que no fim possamos dizer “keep the change you filthy animal”!

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