Meditação coronavirótica
Muitas empresas embarcaram na subcapitalização sem ponderar devidamente nas suas consequências
Há alguns anos atrás, na qualidade de contabilista, fui abordado por um empresário que tinha acabado de constituir uma sociedade comercial por quotas e pretendia dar seguimento a todo o processo burocrático necessário para a colocar em marcha.
Depois duma leitura da escritura de constituição, certidão permanente, etc etc, virei-me para o empresário e disse-lhe:
- Não sei se vale a pena. Esta empresa está falida!
- Mas acabei de a constituir, ainda nem comecei e já está falida?
- Isso mesmo.
E expliquei-lhe. Uma sociedade por quotas é uma instituição de investimento capitalista. Isto é, quando uma pessoa pretende investir numa sociedade comercial por quotas, anónima (que deixou de ser...) ou outra qualquer, no fundo o que pretende é juntar recursos, sobretudo, capitais para financiar uma entidade nova a fim de vir a exercer uma actividade, adquirindo equipamentos e mão-de-obra necessários ao fim do seu objecto social. Em contrapartida, o que o empresário e capitalista espera é dela retirar mais rendimentos do que a simples aplicação que uma qualquer instituição financeira lhe oferece.
Mais concretamente, o recém empresário tinha constituído uma sociedade comercial por quotas com um capital de 1 (um) euro. Logo os custos de constituição da sua empresa foram de algumas centenas de euros. Ora, tout court, segundo o artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais, a cada metade de capitais próprios que tivesse sido absorvida correspondia uma insolvência.
É que o capital social duma empresa é o “motor” que a faz girar. E, entre outros factores, deve ser ponderado em função da expectativa dos negócios, da necessidade de recursos materiais e humanos. Se for “excessivo”, a rentabilidade vai ser fraca. Se for “deficiente”, o motor definha porque não suporta o peso que deve “arrastar”.
E eu concluía a minha explanação com uma evidência simples.
- Se você não acredita na sua empresa ao ponto de não lhe injectar capital, “o combustível que a alimenta”, como vai querer e crer que, amanhã, uma instituição financeira aceite e acredite ao ponto de conceder-lhe o crédito e a confiança que você não deu à sua própria empresa?
Vem esta “meditação coronavirótica” a propósito dos momentos que se vivem. Muitas empresas embarcaram na subcapitalização sem ponderar devidamente nas suas consequências. Agora vão querer recorrer a apoios e financiamentos para ultrapassar a crise que aí paira e cuja amplitude económica e temporal se desconhece.
Corre-se o risco de alguém repetir a pergunta: “Não há dinheiro. Qual das três palavras não percebeu?”
E quem tiver unhas, é que vai tocar guitarra. E vão ser precisas muitas... unhas e guitarras!