Fiscalistas avisam que baixa salarial no futebol “não traz benefícios”
Os clubes portugueses e a receita tributária do Governo vão sofrer em conjunto com eventuais cortes na massa salarial dos futebolistas profissionais durante a pandemia de covid-19, alertaram hoje fiscalistas à agência Lusa.
“Não vão beneficiar os próprios jogadores, que verão os seus rendimentos baixar. Não vão beneficiar os clubes, que terão nessas reduções meros paliativos e uma difícil gestão de recursos humanos em mãos. Também não beneficiarão o próprio Estado, que terá menos receitas fiscais quando for chamado a comparticipar por via de recurso ao ‘lay-off’”, elucidou José Maria Montenegro, da sociedade de advogados Morais Leitão.
Desde a suspensão global das competições futebolísticas por tempo indeterminado em 12 de março, o Sporting de Braga, o Sporting e o Marítimo, da I Liga, negociaram cativações dos vencimentos dos seus plantéis na ordem de 50%, 40% e 33%, respetivamente, que podem ser liquidadas em caso de retoma da temporada 2019/20.
Já o primodivisionário Belenenses SAD, bem como o Leixões, Desportivo de Chaves e Penafiel, todos da II Liga, avançaram para a dispensa temporária de trabalhadores, cuja aplicação simplificada está incluída no pacote de medidas governamentais adotadas para conter os efeitos do novo coronavírus nas empresas.
“Os cortes não beneficiam ninguém. Um acordo coletivo entre clubes só ajudaria a minimizar os impactos fiscais se consistisse em não recorrer ao ‘lay-off’, evitando o pagamento de parte dos salários pelo Estado como para os demais trabalhadores abrangidos por este regime”, frisou Samuel Almeida, do escritório Vieira de Almeida.
Notando que os montantes estatais pagos ao abrigo do ‘lay-off’ “são irrecuperáveis”, o especialista em direito fiscal admite que o “desporto de multidões” possa refletir nos preços de bilheteira “algum receio” da sociedade em estar em “largas concentrações de pessoas”, pelo menos enquanto “não for encontrada uma vacina” para a covid-19.
“De todo o modo, a maior fatia das receitas dos clubes são as receitas da televisão, as provas europeias e as transferências, que irão certamente sofrer uma redução este verão face à menor liquidez do mercado. Tal como o resto da economia, o futebol terá de se ajustar e emagrecer”, antecipou.
O debate sobre cortes salariais no futebol gerou polémica em Inglaterra no último fim de semana, quando os futebolistas da ‘Premier League’ recusaram uma redução de 30% durante a pandemia, por significar uma ‘poupança’ de 570 milhões de euros para os clubes e uma perda de 270 ME para o Estado, optando pela criação de um fundo de apoio ao Serviço Nacional de Saúde.
Por cá, a adesão ao ‘lay-off’ ainda é controversa entre os organismos do futebol e José Maria Montenegro aguarda que esteja para breve a discussão dos “termos da recompensa dos cortes salariais” com jogadores e demais colaboradores, numa altura em que os clubes e outras áreas tentam “aguentar a pressão” motivada pela falta de jogos.
“Os impactos indiretos já estão aí para serem testemunhados. Talvez não se possa dizer que decorrem exclusivamente do futebol, porque a paragem é geral em quase todos os setores da economia, mas é incontornável olharmos ao setor hoteleiro, à restauração, ao turismo, aos transportes e ver aí uma influência da ausência do futebol”, apontou.
O advogado dá como exemplo “mais óbvio e, porventura, mais preocupante” as consequências no segmento da comunicação social, no qual 76 trabalhadores ligados à delegação do Porto do jornal A Bola e do canal A Bola TV e à redação da revista Auto Foco em Lisboa foram colocados na segunda-feira em regime de ‘lay-off’ por um mês.
“Mais tarde ou mais cedo, outras sedes de jornais, rádios e televisões - cada vez mais dominadas por programas dedicados à modalidade, porque são os que atraem mais audiência e lucro - sentirão a falta do impulso do futebol no negócio. Bem sabemos com esta pandemia nos apanha na fase mais lucrativa da época, por ser o período das decisões, de mais militância e mais consumo a todos os níveis”, vaticinou.