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Crónicas

Boa Páscoa

As melhores memórias da Páscoa são desses anos, dos meus 20 anos, do regresso a casa com a mala cheia de roupa para lavar, o coração a rebentar de saudades e a certeza de que, ali, naquele aconchego, todos os problemas teriam solução.

As minhas melhores memórias da Páscoa são dos anos do curso quando metia a roupa toda na mala, sentava-me em cima para fechar melhor e pedia boleia para o aeroporto já com saudades do calor de casa. A família não tinha tradição, nem de almoços, nem de fervor religioso a não ser, talvez, a minha tia Teresa. Lembro-me de que me levou àquelas cerimónias sombrias da Semana Santa e do quanto me perturbou ouvir o suplício de Cristo e a procissão do enterro do senhor.

Quando vi aparecer pela Terra Chã os homens da frente com dois archotes ao som de uma marcha fúnebre parei num daqueles momentos que parecem maiores do que são. Ali, a pouca distância de mim, santos que nunca vira baloiçavam em cima dos andores e desfilavam naquele ritmo triste e que fechava com o caixão de vidro. A minha tia Teresa disse-me que era lá que ia o senhor.

O que talvez não tenha sido a melhor imagem para uma miúda de 11 anos, para quem a Páscoa não tinha a dimensão redentora de que falavam os padres. De maneira que as melhores memórias da Páscoa são mais à frente, já depois de ter deixado de pensar na fé, numa altura em que a vida valia a pena quando se podia estender a toalha no cimento do Lido para aproveitar os primeiros dias de calor.

E tornou-se essencial nos anos do curso, quando as saudades apertavam muito e faziam falta todos. O pai, a mãe, o irmão, os cães, a minha cama e as tias a fazer lanches, mais o café na esplanada e as ruas da cidade aos sábados à tarde, antes de ir ao cinema ver um filme. Ou aquele sem fim de gente dos dias de semana, o cheiro das laranjeiras em flor no quintal, a voz da minha mãe ao acordar e o rádio a pilhas ligado nas notícias.

As melhores memórias da Páscoa são desses anos, dos meus 20 anos, do regresso a casa com a mala cheia de roupa para lavar, o coração a rebentar de saudades e a certeza de que, ali, naquele aconchego, todos os problemas teriam solução. E, no tempo em que vivi em Lisboa, voltar foi sempre bom, como era depois a hora de dizer adeus e meter-me no avião. Do outro lado, estava o desafio de viver por mim, de perceber a liberdade da cidade grande, de ser mais um e não a filha da D. Celina que dava bordados e do mestre Gabriel.

O ir e voltar que, este ano, muitos não fizeram. Não houve abraços à chegada, nem haverá mães comovidas à partida, nem malas com doces e fruta, nem amigos à espera para dividir tudo e celebrar mais uma história, mais um laço com os que chegam das ilhas, que falam diferente e mostram que há várias maneiras de viver. E não haver isto é triste.

Boa Páscoa

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