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Análise

São já muitas as saudades

O confinamento forçado dura há um mês, 30 dias que parecem anos. Quase todos nos segredam que são já muitas as saudades...:

. Dos imprescindíveis que amamos e que por opção, motivo de orgulho mesmo que nos esmague o coração, ficam em casa, dando o exemplo, longe do perigo, dos olhares críticos e do voyeurismo crescente. Das pessoas que nos tratam com estima e foram obrigadas a ficar ‘off’, sabe-se lá até quando. Daqueles que admiramos por terem personalidade, mesmo que deles alguns digam barbaridades. Dos que dão a vida nesta luta incessante e que está longe de terminar.

. Dos afectos redentores, dos abraços que nos encorajam para a resistência, da palmadinha na face ou do aperto de mão vigoroso que acarinham a existência.

. Da esperança cada vez menos presente nos discursos vagos. E dos projectos, dessa cultura que não nos amarra às conquistas, mas que nos lança com determinação para o domínio do imprevisível.

. Dos sorrisos autênticos dos amigos partilhados nos convívios intermináveis e da normalidade onde é possível ser disruptivo sem reparo e protagonista de momentos de diversidade criativa.

. Do mar e da serra. Da evasão e da proximidade com a natureza que liberta, mesmo que tenhamos facilidade em fazer tudo em casa e disso dar conta ao mundo através das redes sociais.

. Do trabalho, do emprego e do salário, das tarefas e de ganhar a vida de forma honesta sem ter que depender da esmola eleitoralista, de moratórias que adiam os dramas e dos fundos perdidos que não vão chegar a todos.

. Do bom senso que por vezes vai faltando, como ficou evidente no cerco policial em curso e que até ao controlo burocrático tratou todos como pontenciais infractores ou irresponsáveis, como se não houvesse gente que precisa de ir trabalhar e está obrigada a chegar a tempo e horas, coisa bem diferente daqueles que nasceram para prevaricar ou que ficando no sofá não perderão um único cêntimo do seu vencimento. A forma leviana como as recomendações decretadas pelas autoridades são desrespeitadas com sobranceria por alguns cidadãos, não só explica o descrédito de uns e a arrogância de outros, como confirma porque é que o maldito vírus se instalou por todo o lado.

. Do tempo em que era possível discordar e defender princípios inegociáveis para desgosto dos poderosos repentistas

sem ser catalogado como inimigo público a abater ou a internar.

. Das palavras edificantes, com alma e não as que tresandam a propaganda.

. Da lucidez que falta aos que fogem ao debate com medo do confronto, dos que se julgam intocáveis ou dos que se refugiam no anonimato para tentar ofender quem dá cara e põe assinatura em tudo o que escreve. Dos cobardes não rezará a história, que também deverá ser severa para com os que decidem, nem sempre de forma competente e inclusiva, não antevendo todas as consequências das medidas que deliberam.

. Da maturidade. Insistir em birras inconsequentes e em gritos de revolta até pode dar palco mediático, mas que se saiba não rende um euro que seja, nem relações de confiança, nem pão para a boca. A estratégia terá que ser outra se é que quem pede ajuda à República está realmente interessado na Autonomia em estado puro e em todos os madeirenses que nesta acreditam.

. Da solidariedade genuína. Hoje muitos dos que dão fazem-no para que se saiba. É pena que o exibicionismo suje a necessidade.

. Das conferências de imprensa sem limite de tempo, que é assim que devem ser sempre, enquanto houver dúvidas para tirar.

. Do respeito. Culpar terceiros pela doença que a todos atinge sem dó nem piedade e gabarmo-nos que estamos bem melhor do que os vizinhos é inqualificável.

. Da verdade. A doença mostra muita hipocrisia que não conta para nada neste contexto em que é preciso unir esforços para dar cabo do bicho. Mas convém ir começando a pensar seriamente no futuro. Por enquanto ficar em casa resolve, mas depois, há mais do que umas quantas saudades para matar. Há muito por fazer e ressuscitar.

. Do óbvio. Há muito para escrever sobre aquilo que o coronavírus e o estado de emergência estão a esconder. Fica para depois. Matéria não falta. E preocupante, numa era em que uns começam a virar-se sem escrúpulos para os negócios de milhões que a área da saúde pode render e outros já têm a desculpa que precisavam para justificar os dinheiros mal gastos em aventuras e caprichos.

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