“Não olhamos para esta crise como um momento de punição e de castigo”, diz Costa
O primeiro-ministro garante que não adotará a receita de austeridade de há dez anos, alegando não olhar para a crise como um momento de punição, e defende não haver motivos para antever cortes salariais na administração pública.
“Nós não olhamos para esta crise como um momento de punição e de castigo. Há dez anos houve uma crise de financiamento do Estado e toda a administração pública pagou com ‘língua de palmo’ os custos dessa crise financeira do Estado”, afirma António Costa em entrevista à agência Lusa.
“Desta vez, estamos perante uma crise económica geral, onde não temos de andar a punir ninguém”, acrescenta.
Neste contexto, o primeiro-ministro assegura que não tenciona aplicar no futuro “a mesma receita que há dez anos foi aplicada para enfrentar a crise”.
“Podem estar seguros de que não adotarei a mesma receita, não só porque já na altura não acreditei nela, como, sobretudo, porque a doença agora é claramente distinta da anterior. Não há atualmente uma doença das finanças do Estado, que, felizmente, conseguiu sanear as suas finanças públicas. Esta crise é uma crise económica, global, que resulta de uma crise sanitária. Portanto, querer aplicar a mesma receita que já se demonstrou errada há dez anos seria agora duplamente errado”, reforça.
“Temos bem consciência de que as receitas de austeridade já demonstraram há dez anos que são o pior caminho para o sucesso e que o melhor caminho é mesmo apostar na preservação do emprego e na defesa dos rendimentos como condição essencial para que a economia possa recuperar o mais rapidamente possível”, sublinha.
“Sabemos que não vamos sair sem dor [desta crise], essa dor já está a existir, e também não devemos tentar sair desta crise como tentámos sair da anterior, porque sabemos que foi o caminho mais penoso, mais lento e menos eficiente”, destaca.
António Costa acrescenta outro argumento para se demarcar das anteriores políticas de austeridade: “No dia em que for possível reabrir as lojas e os restaurantes que estão fechados, se as pessoas tiverem uma grande quebra de rendimentos, então, bem podem estar abertos, mas continuarão a não vender”.
“Quando puderem reabrir, é fundamental que os clientes não deixem de ir lá por razões de saúde económica”, sustenta.
Para o primeiro-ministro, a atual crise “não é um castigo”.
“O que temos de fazer é ser solidários e apoiar aquelas empresas e trabalhadores que estão a ser atingidos pela crise. E a forma de os apoiar não é pôr todos em crise, mas, pelo contrário, acelerar este processo de recuperação”, sublinha.
O chefe do executivo destaca, aliás, que “há empresas privadas que, felizmente, estão bem e até há as que estão a contratar pessoas, como é o caso do setor de distribuição, que tem de reforçar a sua capacidade de distribuição ao domicílio”.
“E há muitas empresas industriais que estão a contratar pessoal, reforçando as suas linhas de produção, designadamente as do setor farmacêutico ou do setor dos plásticos, que estão agora a produzir viseiras como nunca imaginaram”, aponta.
“Temos de sair com a menor dor possível desta situação de crise que já muitos estão a sentir. No dia em que a pandemia deixar de abrir o telejornal, aquilo que vamos ter é seguramente o número de desempregados e os danos sociais gerados por esta crise”, prevê.
António Costa afirma que o Estado está a tentar responder a este problema procurando manter as empresas “vivas” e não sacrificando postos de trabalho, razão pela qual foi criado um pacote de linhas de crédito que podem chegar a 13 mil milhões de euros no seu conjunto.
O objetivo, diz, “é permitir às empresas responder a problemas de liquidez, às necessidades de reconversão e à sua manutenção” e, ao mesmo tempo, “procurar travar o mais possível a perda de rendimento por parte das famílias”.
“Agora, é evidente que não é possível passar por esta crise sem custos das empresas, sem custos nos rendimentos, e sem custos no emprego”, frisa.
No plano financeiro, o primeiro-ministro antecipa que “com enormíssima probabilidade” terá de haver um Orçamento suplementar para 2020, antes de se chegar ao Orçamento de Estado para 2021.
Questionado sobre a possibilidade de voltar a haver cortes salariais para os funcionários públicos, António Costa responde: “Não vale a pena começar a antecipar aquilo que seguramente todos queremos evitar”.
“Não há nenhuma razão para que isso aconteça e já temos um número de problemas suficientes no presente para começarmos a imaginar problemas futuros. Temos de nos concentrar em estancar a pandemia, porque quanto mais depressa isto acabar mais depressa retomaremos a normalidade, que vai ser lenta de retomar”, advoga.
Para este efeito, António Costa aponta como decisivo o papel da União Europeia.
“Com esta crise, a Europa vai ter seguramente de compreender que vai ter de reforçar muitíssimo a sua base industrial e Portugal tem de se colocar nessa primeira linha do reforço da base industrial e da capacidade de produção nacional, além do mais porque somos dos países que ainda sabemos fazer muitas das coisas que a Europa se habituou a deslocalizar para o Oriente”, diz.
A título de exemplo, cita a área têxtil e a fileira das indústrias dos moldes e plásticos.
“Temos de compreender que, nesta reorganização que necessariamente vamos ter de ter nestas cadeias de valor à escala global, o país vai ter de se reposicionar. Esse é um cenário que temos de possuir a capacidade de explorar”, remata.