Numa Praça Deserta
Todos somos agora a consciência à qual renunciámos. Fomos rotinas acéfalas ultrapassadas
Em Bérgamo, numa praça deserta, um homem velho chora. Triste e resignado, sente a morte. Não o medo, mas a angústia do fim, num país sombrio que tem de escolher os filhos que trata e os que deixa morrer. A escolha inimaginável dos nossos tempos.
Naquela praça, naquele momento, aquele homem velho é avô, é pai e sou eu, somos nós, porque todos somos tempo, uma questão de tempo. Todos somos brisa e vento. Todos somos novos e todos somos velhos. Somos nós e somos os nossos. Somos simplesmente aquele homem velho que chora numa praça deserta, sem mais nada.
Neste presente suspenso, aquele homem velho é o mundo desprotegido que olha o passado, na esperança de um recomeço, ainda que ferido, consciente da fragilidade da nossa condição humana. Triste pelo desinvestimento na solidariedade e no respeito, pelo egoísmo hipócrita de um mundo instalado num planeta que não soube ocupar e preservar. E todos somos Terra, antes de tudo e no fim de tudo, ou, como disse o filósofo grego, somos água. Somos começo e recomeço, mas também somos fim.
Todos somos agora a consciência à qual renunciámos. Fomos rotinas acéfalas ultrapassadas. Esperámos e não fizemos. Fomos alegres e saudáveis acríticos. Aderimos a populismos sem identidade, sem substância e sem carácter. Renunciámos ao pensamento e alimentámos falsos protagonismos. Deixámo-nos ficar reféns de alguns idiotas menores. Ignorámos e crucificámos a verdade. Fomos pouco lúcidos e tolerantes. Fomos demasiado plástico, com todas as consequências que isso tem para a humanidade. Insistimos no contacto pessoal, mas fomos impessoais. Agora estamos aqui, isolados, confinados, e temos aqueles que fizeram tudo por nós a chorar numa velha praça, deserta.
Agora tudo é certo e incerto. Tudo é receio e angústia. E temos de respeitar o mais covarde dos inimigos, aquele que deixámos surgir. Não quisemos gerar equilíbrios sustentáveis e promovemos desequilíbrios à conta de outros interesses. Não assumimos o ecossistema global. Pensámos que tudo era Economia e Finanças. Desconsiderámos o Direito, incluindo o Direito Internacional, também em matéria de ambiente. Esperámos por todos os momentos quando somos momento. Agora estamos aqui. Temos as nossas raízes, as nossas origens, os nossos avós a chorar numa praça europeia deserta. E sem eles não somos nada. Sem a sua imortalidade nada seremos.
E hoje, enquanto a Terra finalmente respira devagar, Sexta-Feira Santa, neste momento de introspeção de inspiração católica, neste momento de reflexão humana, temos a certeza da morte e a esperança na ressurreição, porque infelizmente é preciso morrer para renascer de verdade. E que este fim medonho seja um recomeço, na essência e na ciência, mas também na atitude, na responsabilidade e na consciência, no mérito e na competência, na verdade e na coragem, e que mais nenhum homem velho tenha de chorar assim, as lágrimas da humanidade numa praça deserta.